A presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, chegou nesta terça-feira em Taipé, na primeira visita de um integrante dos altos escalões políticos americanos à ilha desde 1997, e que deve acirrar as já tensas relações entre Pequim e Washington. A viagem foi mantida em sigilo por semanas, e apesar das promessas da Casa Branca de que tudo transcorrerá “em segurança”, o presidente chinês, Xi Jinping, alertou os EUA para que “não brinquem com fogo”, se referindo a Taiwan.
Por volta das 22h40, pelo horário local, 11h40 pelo horário de Brasília, o Boeing C-40C, da Força Aérea dos EUA, pousou no aeroporto de Songshan, nos arredores de Taipé, vindo de Kuala Lumpur, na Malásia. A rota usada foi pouco usual, como mostrou o site de monitoramento FR24: a aeronave contornou as Filipinas, e não passou pelo Mar do Sul da China, área onde Pequim tem disputas territoriais com os vizinhos e mantém presença militar ostensiva. Antes da chegada, uma mensagem de boas vindas foi projetada no arranha-céu Taipei 101, de 438 metros de altura.
Pelosi, uma conhecida crítica da China e considerada “persona non grata” no país, não confirmou a viagem até pouco antes de deixar a Malásia — a visita estava originalmente planejada para abril, mas foi cancelada, ao menos oficialmente, porque a democrata foi diagnosticada com Covid-19. Na atual visita, a ilha não aparecia no roteiro divulgado à imprensa, que incluía apenas escalas em Cingapura, Malásia, Coreia do Sul e Japão, mas na noite de segunda-feira já estava claro que ela iria a Taipé.
Antes da chegada do avião de Pelosi a Taiwan, a China anunciou uma série de exercícios de artilharia no Mar de Bohai, próximo ao Mar Amarelo. As manobras começaram na segunda-feira e devem seguir até a quinta. O comando militar chinês também realizará manobras no Mar do Sul da China, e algumas áreas foram fechadas à navegação pelo menos até sábado.
Caças chineses voaram perto da linha que divide os dois territórios, e o comando Sul do Exército de Libertação Popular, as Forças Armadas chinesas, está em estado de alerta elevado. Voos de passageiros em regiões próximas a Taiwan tiveram seus itinerários modificados, e alguns veículos locais chegaram a afirmar que o espaço aéreo no estreito estava fechado para aeronaves civis, mas o tráfego pelo lado taiwanês não sofreu alterações aparentes. Segundo a rede CGTN, caças chineses Sukhoi Su-35 cruzam o Estreito de Taiwan — o avião de Pelosi chegou pelo lado Leste da ilha, oposto ao estreito.
De acordo com o jornal South China Morning Post, dois porta-aviões, Liaoning e Shandong, deixaram os portos onde estão baseados, e há movimento de tropas e blindados em Xiamen, cidade localizada a menos de 6 km de uma ilha controlada por Taiwan. Analistas, contudo, veem na movimentação mais uma demonstração de força por parte dos chineses do que uma intenção real de militarizar a viagem de Pelosi.
“Queremos dizer mais uma vez aos EUA que a China está de prontidão, e que o Exército de Libertação Popular jamais ficará inerte. A China adotará respostas firmes e fortes para defender sua soberania e integridade territorial”, declarou, na segunda-feira, o porta-voz da Chancelaria chinesa, Zhao Lijian, em entrevista coletiva.”, De toda forma, se ela ousar ir [a Taiwan], vamos esperar pra ver.
Houve ainda medidas comerciais, supostamente de retaliação à visita: empresas taiwanesas de alimentos afirmam que alguns de seus produtos estão sendo barrados nos portos chineses, e Pequim não explicou o motivo. Mais de 100 itens estariam banidos, incluindo biscoitos e doces.
Do outro do estreito, Taiwan colocou suas forças em alerta máximo: a imprensa local afirma que as tropas se encontram em estado de prontidão, e devem reduzir o tempo necessário para agir no caso de algum tipo de agressão chinesa. Caças Mirage 2000 estariam prontos para decolar em bases no leste da ilha, segundo o jornal Liberty News.
As forças dos EUA também elevaram o alerta: há quatro porta-aviões americanos nos arredores de Taiwan, além de um contratorpedeiro, que integra um destacamento que está na região desde meados de maio. Ao menos três Boeing P-8 Poseidon da Força Aérea dos EUA, responsáveis pelo monitoramento de atividades navais, foram identificados perto de Taiwan nas últimas 48 horas.
Dentro da Casa Branca, a viagem dividiu opiniões. O presidente Joe Biden afirmou que os militares não viam a ideia com bons olhos, temendo uma possível reação chinesa — em conversa com Xi Jinping, Biden ouviu o “conselho” para que os EUA não “brincassem com fogo”. Dentro das atuais diretrizes de política externa dos EUA, a China está em lugar central, e embora a Casa Branca destaque que não mudou sua política de “Uma China”, sem estabelecer relações diplomáticas com a ilha mas fornecendo apoio militar, Pequim vê ambiguidades no discurso americano.
Declarações de Biden de apoio à ilha, gafes do presidente sugerindo que os EUA poderiam intervir no caso de uma hipotética invasão — Pequim vê Taiwan como parte de seu território, embora jamais tenha exercido controle de fato sobre a ilha — e a visita de Pelosi contribuem para essa percepção.
*Informações IG