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E-commerce estrangeiro: fiscalização é mais eficaz que taxação

 

Há uma concorrência desleal entre o e-commerce estrangeiro e o nacional? Esse vem sendo o grande debate após o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comparar a atuação dos players chineses Shein, Shopee e a AliExpress ao “contrabando”, visto a possibilidade de burlar regras fiscais brasileiras, evitando-se o pagamento de impostos. Contudo, antes de falar sobre aumento de tributação, é preciso investir na fiscalização.

É inegável que, em um mundo cada vez mais digital e globalizado, o comércio eletrônico tenha suas fronteiras geográficas dissipadas. Tanto é que, segundo dados divulgados pela NielsenIQ|Ebit, mais de 72% dos brasileiros compraram em sites internacionais em 2022.

Um grande atrativo nas compras do exterior são os preços, principalmente quando realizadas entre pessoas físicas, dado que importações de até US$ 50 (cerca de R$ 250) são isentas de tributação. Com isso, compras através de plataformas estrangeiras conseguem oferecem produtos, em média, 40% mais baratos.

O problema em relação às gigantes chinesas (ou mesmo de outros países) não está quando figuram como marketplace, intermediando vendas entre pessoas físicas, mas quando as vendas são feitas por pessoas jurídicas – cenário em que não se aplica a isenção e há necessidade do recolhimento de 60% de tributo sobre o preço da mercadoria, o que acaba desmotivando a compra.

Ocorre que, inúmeras vezes, não há fiscalização adequada, de forma que vendas realizadas por pessoa jurídica acabam sendo igualmente isentadas. Apesar dessa situação ocorrer muito por conta da falta de fiscalização, também é possível identificar circunstâncias em que algumas das lojas da plataforma acabam simulando que são pessoas físicas como artifício para valer-se do tratamento tributário privilegiado.

Aqui, é importante abrirmos um parêntese e lembrar que, na prática e na teoria, é o importador e, portanto, a pessoa física adquirente, que figura como contribuinte do imposto, e não a empresa no exterior. Ou seja, sob a perspectiva jurídica, não há qualquer implicação direta para as empresas estrangeiras, seja no caso atual ou com a revogação da isenção, dado que esta é direcionada ao importador pessoa física e não ao remetente.

Naturalmente, a manobra fraudulenta tem despertado desconforto e preocupação entre os varejistas brasileiros, evidenciando a necessidade de uma revisão governamental urgente. O impacto concorrencial dessa conduta é enorme e, segundo dados da Associação Brasileira de Varejo Têxtil (Abvtex), deixou-se de arrecadar R$ 14 bilhões em impostos nas operações com empresas chinesas.

Segundo o banco BTG Pactual, só a Shein faturou cerca de R$ 8 bilhões no mercado brasileiro em 2022 – um crescimento de 300% em relação ao ano anterior. Esse é o mesmo faturamento da Riachuelo, segunda maior empresa do varejo de moda do Brasil. A Lojas Renner, líder no país, faturou R$ 11 bilhões. A expectativa era a de que a Shein assumisse a liderança de vendas no Brasil em 2023, com um faturamento estimado de R$ 16 bilhões.

Mas, as coisas podem não sair como o planejado. Como vêm sendo identificados indícios de fraude no uso da isenção, o Ministério da Fazenda estuda a extinção dessa medida, não fazendo mais nenhuma distinção de tratamento nas remessas por pessoas físicas ou jurídicas. Se aprovada, as compras internacionais de até US$ 50 também ficam sujeitas à taxação atual de 60% sobre seu valor.

Como forma de melhor fiscalizar e blindar essas operações, as empresas estrangeiras deverão repassar aos Correios e empresas transportadoras, a partir de julho deste ano, uma lista com 37 informações que deverão ser repassados à Receita Federal, a fim de que o Fisco faça as devidas averiguações e cobrança de impostos. As medidas devem gerar até R$ 8 bilhões em novas receitas para o governo, segundo o ministro.

Do ponto de vista do consumidor, as compras nesses marketplaces podem ser tornar menos atrativas. Com o fim da isenção, uma compra no valor de R$ 250 pode ter uma tributação de mais R$ 150 em imposto de importação. Ou seja, a aquisição saltaria para R$ 400, podendo se tornar desinteressante.

Contudo, é preciso analisar as mudanças também pela perspectiva dos varejistas brasileiros. Ao aplicar o imposto sobre o produto importado, as empresas locais tendem a ser favorecidas, o que poderia impactar, consequentemente, na geração de empregos e renda no país. Afinal, se o impacto dessas empresas é tão significativo para os grandes varejistas, o que dizer então dos pequenos e médios, que são importantes e estratégicos para a economia local?

Algumas das empresas no exterior, todavia, já anunciaram (inclusive, já há aplicação por parte delas) medidas para compensar o consumidor no caso da tributação, a exemplo do reembolso parcial dos tributos devidos. Nesses casos, pelo fato de o importador ser o contribuinte do imposto, qualquer reembolso ou política que vise compensar o consumidor, na realidade, se traduz em desconto dado pelo exportador ao brasileiro.

Identificar a melhor solução neste cenário é uma decisão complexa e deve ser muito bem analisada, pensando nos prós e contras para todos os envolvidos. Essa é, de fato, uma ação estratégica para assegurar que os importadores – sejam eles pessoas físicas ou jurídicas – se mantenham dentro das determinações legais, contribuindo com seu fair share nos custos do país. Por ora, o governo nega a possibilidade de criação de novos impostos.

É importante destacar que nenhuma medida será um trabalho simples, e exigirá um esforço imenso e colaborativo de todos os envolvidos em meio a um cenário que, hoje, se mostra falho em diversos aspectos que acabam abrindo espaço para ilegalidades.

Por outro lado, exigir o pagamento destas cobranças para todos os importadores, independentemente de serem pessoas físicas ou jurídicas, é uma medida mais simples, mas, nem sempre o que se mostra mais eficaz é necessariamente a escolha mais justa nas relações comerciais – o que sempre reacende a ponderação de qual decisão se tornará a mais coerente e equilibrada para todos os envolvidos nessa cadeia.

Na prática, o papel do sistema tributário nacional deve ser o mais coerente possível, evitando medidas que desencadeiem altos índices de inflação e, consequentemente, gerem prejuízos à economia do país. Cabe acompanhar as implicações de cada uma das medidas que serão adotadas.

Felipe Dias é sócio e head da área tributária no Arbach & Farhat Advogados.

Sobre o Arbach & Farhat Advogados: https://arbachefarhat.com.br/

Fundado em 2014, o Arbach & Farhat Advogados atua nas principais áreas do direito a partir de uma prestação de serviços jurídicos altamente personalizados para empresas e pessoas físicas. Aliados às circunstâncias sociais e econômicas de seus clientes, traçam a melhor estratégia conforme cada caso, sempre buscando uma parceria de longo prazo.