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Limites territoriais. O Córrego do Gonçalo é nosso (Parte IV)

 

No artigo anterior discutiu-se a aporia envolvendo os limites territoriais de Ladário, fruto de conclusões contraditórias, e os efeitos de verdade sobres estas contradições estabelecidos com base na força saber/poder exercidos pela Cidade Branca sobre a Perola do Pantanal. Assim como Davi derrotou Golias por acreditar numa promessa de vitória feita por Deus, Ladário a de triunfar, perder a ternura e a amizade, e pela astúcia, sabedoria e ousadia, vencer pela justiça e na justiça.

Os limites territoriais de Ladário e Corumbá, estabelecidos arbitrariamente é uma afronta Ab ovo, algo que se observa desde o início, aos legítimos direitos dos ladarenses.

Neste artigo, pretende-se discutir a criação dos Distritos de Paz no novo ordenamento jurídico a partir da Constituição Republicada de 1891, e os limites de Ladário enquanto Distrito de Paz, inalterados mesmo após a Lei 679 de 11 de dezembro de 1953, Ab ovoDo Córrego do Gonçalo, até sua foz, no Rio Paraguai; Este Rio abaixo, até a Morraria do Rabicho e esta mesma moraria até encontrar, ao Sul, a Morraria de Corumbá, seguindo esta até defrontar o ponto de partida”.

Com a implantação em 1889 da República no Brasil, o Distrito de Paz substituiu a Freguesia, dividindo as vilas e cidades não mais em freguesias, mas em Distritos de Paz. No sentido de adequação das leis estaduais a Constituição Republicana de 24 de fevereiro 1891, oEstado de Mato Grosso promulgou a Constituição Estadual em 15 de agosto de 1891, estabelecendo no artigo 44 “Os municípios atuais continuam com os mesmos limites territoriais que poderão ser alterados quando convier aos interesses da administração”. Estabelecia ainda que só o Poder Legislativo Estadual poderia criar, aumentar ou diminuir os municípios e seus respectivos limites territoriais.

Os distritos eram governados por subprefeitos nomeados pelo prefeito, no caso de Ladário, o subprefeito era nomeado pelo prefeito de Corumbá. Ladário se tornou Freguesia em 1896, através da Lei 134 de 16 de março de 1896,in verbis: “ Fica elevada a categoria de freguesia, a povoação do Ladário no Município de Corumbá”. Ainda de acordo com o artigo 2º parágrafo único da referida lei, “enquanto não foram alterados por lei, vigorarão como limites da nova freguesia os mesmos do distrito policial”. Devolver a Ladário seus antigos limites não devem constituir para as autoridades municipais ladarenses uma Impossibilium est obligatio, obrigação impossível, mas mutatis mutandi, mudando o que tem que ser mudado.

Até 1911 por ocasião da nova Divisão Administrativa Territorial do Brasil, de acordo com a Diretoria do Serviço de Estatística do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, o Estado de Mato Grosso contava com 18 municípios, 06 cidades, 12 vilas e 28 distritos. Esta nova divisão administrativa não alterou a condição de Ladário como distrito de Corumbá nem seus atuais limites territoriais.

Na divisão administrativa de 1933 Mato Grosso contava com 22 municípios, 3 vilas e 82 distritos. Pode-se perceber um crescimento acentuado de distritos, caminho indispensável para tornaram-se municípios. Nesta mesma divisão Ladário figurava como distrito de Corumbá.

Até 1938 não existia no Brasil uma clara distinção entre o espaço rural e o urbano.Afim de definir e delimitar estes espaços, o Presidente Getúlio Vargas editou o Decreto Lei 311 de 02 de março de 1938.Este decreto estabelecia no Artigo 3º “A sede do município tem a categoria de cidade e lhe dá o nome. Art. 4º O distrito se designará pelo nome da respectiva sede, a qual, enquanto não for erigida em cidade, terá a categoria de vila “DECRETO-LEI Nº 311/1938). Estabelecia-se a cidade como sede distrital, independentemente de suas características físicas, sociais, humanas e econômicas.

De acordo com o parágrafo 1º do artigo 15 do decreto acima “Ficam mantidos, para os efeitos deste artigo, os distritos de uma ou de outra ordem, já instalados, que, em virtude de disposição constitucional, houverem sido criados por atos municipais”. Este foi o caso de Ladário, criado em 1896. Pelo artigo 16 o quadro territorial só poderia ser modificado por lei “ Art. 16. Somente por leis gerais, na forma deste artigo, pode ser modificado o quadro territorial, tanto na delimitação e categoria dos seus elementos, quanto na respectiva toponímia”.

No parágrafo primeiro do Decreto Lei 311/1938, os estados deveriam aprovar seu novo quadro territorial, “ § 1º No primeiro semestre do ano corrente, e para entrar em vigor a 1 de julho, os governos dos Estados e, para as circunscrições diretamente submetidas à sua administração, o governo federal, fixarão de acordo com instruções gerais baixadas pelo Conselho Nacional de Geografia, o novo quadro territorial respectivo, ao qual será apensa a descrição sistemática dos limites de todas as circunscrições distritais e municipais que nele figurarem “. O prazo descrito acima, primeiro semestre de 1938, foi prorrogado pelo Decreto Lei 522 de 28 de junho de 1938 até 31 de dezembro do mesmo ano.

No sentido do cumprimento estabelecido no artigo 1º do parágrafo 16, o Interventor Federal em Mato Grosso Julio Strubing Muller criou uma Comissão Especial através do Decreto Estadual 145 de 29 de março de 1938 para dar prosseguimento ao estabelecido no Decreto Lei 311. Neste sentido editou em 26 de outubro de 1938 o Decreto Lei 308 que fixava a divisão territorial do estado de 1 de janeiro de 1939 a 31 de dezembro de 1943.

O Anexo I do Decreto Lei 311 fixava o limite de todas as circunscrições administrativas e judiciárias do Estado de Mato Grosso e o Anexo II os limites municipais e divisas interdistritais do Quadro Territorial, Administrativo e Judiciário do estado. O Item VIII do referido decreto fixava os limites do Município de Corumbá com a República do Paraguai da Bolívia, e com os Municípios de Cáceres, Poconé, Santo Antonio, Alto Araguaia, Herculânea, Aquidauana e Porto Murtinho. Em relação as divisas interdistritais estabeleciam os limites com Ladário, Amolar, Santa Rosa, Mercedes. Em Relação a Ladário, os limites estabelecidos foram: “Do Córrego do Gonçalo, até sua foz, no Rio Paraguai; Este Rio abaixo, até a Morraria do Rabicho e esta mesma moraria até encontrar, ao Sul, a Morraria de Corumbá, seguindo esta até defrontar o ponto de partida”.

Conforme demonstrado com a digressão acima, sobre os limites territoriais do Estado de Mato Grosso, em relação a Ladário não foram alterados até a promulgação da Lei 679 de 11 de dezembro de 1953 que criou o Município de Ladário, ao contrário, em seu artigo 1º estabelecia: “Fica criado o Município de Ladário, desmembrado do Município de Corumbá, com os mesmos limites do Distrito de Paz de Ladário”.

Assim, é inegável que os limites territoriais de Ladário têm como parte de sua confrontação o Córrego do Gonçalo, atual Grupamento de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso do Sul. A construção do grupamento dos bombeiros não apenas soterrou o Córrego do Gonçalo, como parte da memória coletiva de Ladário.

Cabe a nossa geração lutar pelos limites territoriais de Ladário, ilegalmente apropriado pelo Município de Corumbá, o povo precisa perder a ternura, assumir o protagonismo.

Na V e última parte desta série de artigos, discutirei porque o intercâmbio entre Corumbá e Ladário não humanizou a relação entre ambas e parte dos meandros da Lei Complementar 052 sancionada em 05.05.2011, obrigando a municipalidade a reconhecer e acatar as conclusões técnicas do IBGE e AGRAER sobre os limites territoriais.

Reaver nossos limites não deve ser Impossibilium est obligatio, obrigação impossível.

Somos nós o povo ladarense.

 

Por: Saulo Alvaro de Mello
Mestre em História/UFGD