Poucos pensadores são tão pouco compreendidos como Adam Smith. Este escocês do século XVIII continua sendo, em pleno século XXI, objeto de acalorados debates. Para a corrente marxista, ele foi o ideólogo que serviu de base para a criação e florescimento do capitalismo predatório, regime econômico opressivo, concentrador da renda e gerador da exploração promovida pela burguesia contra o proletariado. Para a direita liberal, Smith foi o responsável pela sustentação ideológica do “laissez-faire”, sistema baseado na liberdade e na iniciativa individual, responsável, segundo eles, pelo progresso econômico do ocidente.
Adam Smith, no entanto, não era nem uma coisa nem outra. Ele foi um filósofo social que dedicou sua vida a entender a natureza humana e a pensar um sistema filosófico, econômico e político mais adequado a promover a prosperidade do ser humano, de acordo com sua própria natureza. Adam Smith não defendia o egoísmo, assim como não defendia a generosidade, o que ele defendia é um arranjo capaz de abrigar a complexa natureza humana, que é portadora tanto do egoísmo como da generosidade.
Adam Smith era realista. Ele confiava no que via e no que aprendia do mundo real. Mas não era pessimista, pois acreditava na capacidade humana de prosperar, tanto material como moralmente. Segundo ele, esta prosperidade, no entanto, não cai do céu. Para que ela seja alcançada é necessário contar com a inteligência humana.
Smith se propôs a escrever três livros fundamentais. O primeiro trataria dos valores morais do ser humano, enquanto indivíduo e como membro da sociedade. O segundo trataria do mecanismo de funcionamento dos negócios, mola propulsora do progresso e da riqueza. O terceiro trataria das leis e do governo necessários para equilibrar o motor econômico diante dos valores morais das pessoas. O pensador escocês escreveu os dois primeiros livros, mas morreu antes de conseguir escrever o terceiro. O tripé idealizado por ele acabou ficando manco, faltou uma perna. Relatos feitos por alunos e amigos de Adam Smith serviram de complemento aos seus dois livros e como fragmentos para vislumbrar como seria sua terceira obra, dado que, pouco antes de morrer, Smith ordenou a destruição da maioria de suas anotações.
Adam Smith, fruto do iluminismo escocês, bebeu na fonte dos principais movimentos reformadores da segunda metade do século XVIII. Ele defendia a liberdade de comércio, a dignidade do trabalho assalariado, a divisão e a especialização do trabalho. Para termos uma idéia da modernidade de seu pensamento, basta lembrar que a escravidão nos Estados Unidos só veio a acabar em 1863, mais de setenta anos depois da sua morte.
O conhecimento da obra de Adam Smith é, atualmente, bastante oportuno, pois, ao vincular a economia aos postulados éticos e morais, ela preenche uma lacuna criada pelo estudo e, sobretudo, pela prática econômica atual, que considera o agente econômico um ser pragmático e utilitarista. O mais cruel é que esta corrente de pensamento utiliza o próprio Adam Smith como apóstolo de suas idéias. Uma leitura mais atenta da obra do grande pensador escocês serviria para derrubar esta grande “heresia”. Adam Smith, não só não deveria ser lembrado como defensor do utilitarismo humano, mas sim como um dos seus maiores contestadores. Bastaria a leitura conjunta de seus dois livros para que um observador honesto chegasse a esta conclusão.
Por: Alcides Leite
Economista e professor da Trevisan Escola de Negócios