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MS 40 anos: acertando na forma e no conteúdo – Parte I

 

Como parte das comemorações do aniversário dos 40 anos da criação do Estado de Mato Grosso do Sul, a Secretaria de Educação do Estado do Mato Grosso do Sul/SED/MS, sugeriu a todas as escolas da Rede Estadual de Ensino, dentro de uma das fases do Projeto Teia da Educação Educar pela Pesquisa, trabalhar a construção da identidade Sul Mato-grossense e as singularidades regionais.

Este artigo é parte do trabalho realizado na Escola Estadual Antonio Pinto Pereira de Jardim – MS, em parceria com as professoras Lucimar Ratier e Francieli Meira, sob a Direção Colegiada da Professora Anna Zinna Boeira, as quais agradecemos pelo apoio.

A SED/MS ao propor este trabalho, colocou como objetivos: conhecer as contribuições pluriétnicas; identificação do patrimônio cultural do MS; conhecer o contexto histórico a ocasião da criação do Estado; mapeamento histórico-cultural das identidades de Mato Grosso do Sul, por meio de pesquisa sobre religião, festas regionais, culinária, artesanato, literatura, música, poesia, folclore, diversidade étnica dos povos indígenas e quilombolas.

Nas construções identitárias de Mato Grosso, o referencial é bandeirante paulista, seus feitos considerados heroicos pelos intelectuais cuiabanos, cujo expoente e grande nome desta construção foi Virgílio Correa Filho. No Mato Grosso do Sul, esta construção ganha contornos mais nítidos, a partir do movimento divisionista e lutas coronelísticas do final do século XIX, Guerra do Paraguai e a criação do Estado do Mato Grosso Sul, fruto da divisão de Mato Grosso.

Esta construção coube aos intelectuais Sul Mato-grossenses centrado na figura do jornalista Jose Barbosa Rodrigues, do professor Hidelbrando Campestrini e o engenheiro Acyr Vaz Guimarães, idealizada no paulista, mineiro e gaúcho, bem como nos ícones da Guerra do Paraguai participantes da célebre Retirada da Lagua.

Definir o que é ser Sul mato-grossense é um trabalho em construção, iniciado desde a criação do estado em 1977, sem data e hora para terminar. Aceitar este desafio é uma ousadia já estampada no Hino do Estado do Mato Grosso do Sul, “Sob um céu de puro azul, Reforjaram em mato grosso do sul Uma gente audaz”. Tornar a forjar um homem já forjado. Reforjar um homem é reforjar sua identidade, significa que a identidade do Mato-grossense não é a mesma do Sul mato-grossenses, ou no mínimo ser reforjada, voltar para a forja, ganha nova forma.

Neste sentido Direção Colegiada, Coordenação Pedagógica, Técnico Administrativo, Corpo Docente e Discente e a comunidade escolar externa de todas as escolas estaduais, estiveram na primeira semana de outubro do ano em curso, imbuídas, mobilizadas e empenhadas nesta tarefa, discutir a identidade Sul Mato-grossense.

Acertando na forma: educação pela pesquisa

Ao acertar na forma, a SED/MS propôs aos professores trabalharem o tema MS 40 anos, com projetos de pesquisa, fazendo do aluno protagonista e não coadjuvante das Redes de Aprendizagem Para Demo (2007) o aluno torna um sujeito ativo, questiona o conhecimento, a realidade, o porquê as coisas, se tornando um crítico daquilo que aprende, é o questionamento reconstrutivo[1]. A base para o ensino e a aprendizagem é a pesquisa não a sala de aula, ou o ambiente de socialização, a ambiência física ou o contato entre professor aluno. Para Demo, somos vítimas da sala de aula, “[…] aula – é o de que menos precisamos” (DEMO, 2017, p. 5).

No livro Vítima de Aula (2017), Pedro Demo pondera ser equívoco culpar exclusivamente o professor pela rota declinante da educação. Aponta como uma das causas deste declínio, o excesso de aula e a falta de pesquisa, pois para ele o professor também foi vítima de aula na faculdade, durante sua formação.

Para Demo, esta postura inovadora em relação ao conhecimento, e a proposta da Teia da Educação Educar pela Pesquisa vai ao encontro e abre perspectiva para o trabalho com projetos de pesquisa em sala de aula, como forma de mudar a noção do aluno de subalterno, aquele que engole ensinamento, faz provas para passar de ano, o aluno deve vir a escola: […] para trabalhar junto, tendo no professor a orientação motivadora. A inquietude deve tomar conta do alunado a ponto de desafiar as estruturas postas e o conhecimento ministrado, refletir sobre o papel social da escola, lutar por uma escola que ensine a pensar e não a obedecer e onde o aluno seja o protagonista[2].

Acertando no conteúdo: discutir a identidade sul mato-grossense

Ao acertar na forma “Educar pela Pesquisa”, a SED/MS também acertou no conteúdo, ao sugerir a Comemoração dos 40 anos do Mato Grosso do Sul realizada através de projetos nas escolas da Rede Estadual de Ensino. A ênfase dada foi a construção identitária do Estado do Mato Grosso do Sul, e a contribuição das diversas matizes formadoras do povo e da cultura Sul Mato-grossense como a indígena, paulista, portuguesa, negra, mineira, paraguaia, boliviana, libanesa, japonesa e sulista, dentre outras, emprestando a nossa identidade uma singularidade e peculiaridade.

A “necessidade urgente” da construção da identidade Sul Mato-grossense a partir da divisão do estado aprovado pela Lei Complementar Nº 31, de 11 de outubro de 1977, pegou de surpresa a elite e autoridades locais. Através de discursos identitários procuravam vincular através da cultura, memória e história o povo Sul Mato-grossense ao novo estado – era a memória de consenso. Para Hall (2006) a identidade é formada ao longo do tempo, através de processo inconscientes, e não algo inato, permanece incompleta, em processo, sempre em formação

Como vincular o Sul Mato-grossense a terra, a cultura e os elementos, que pelo menos em parte, sempre o identificaram, se geograficamente ele não pertence mais a Mato Grosso? Como produzir sentidos com os quais podemos nos identificar e construir nossa identidade (HALL, 2006, p. 51).

Cabe desvelar quais seriam os sentidos do Sul Mato-grossense que não fossem os mesmos de Mato Grosso? Buscar referenciais no indígena e no negro, excluídos da memória de consenso dos intelectuais cuiabanos e Sul Mato-grossenses no momento da produção destes sentidos, em Mato Grosso nas comemorações do Bicentenário de Cuiabá e em Mato Grosso do Sul no momento da divisão do estado, talvez nos aproximássemos mais de nossas raízes. Estes referenciais foram esquecidos pelos intelectuais de plantão a época da divisão do estado, como Paulo Coelho Machado, Elpídio Reis e Hildebrando Campestrini, ou como defende José Octávio Guizzo, preocupado em criar uma coletividade distinta da identidade mato-grossense (PEREIRA; MARIN, 2014) através da proposição de uma tríade eugnésica composta pelo paulista, gaúcho e mineiro, com base nesta tríade, o sulista seria símbolo de progresso.

Para Pereira & Marin (2014), Guizzo preocupou-se em definir o Sul Mato-grossense distinto do Mato-grossense utilizando aspectos simbólicos como ritmos musicais, tradições culturais, características raciais, alimentação e dialetos que ele entendia ser distintos entre o Mato Grosso do Sul e o Mato Grosso. Ao traçar esta distinção Guizzo recorre a estereótipos para categorizar os habitantes do MT e do MS. Para ele o nortista, por ser cariboca[3] era baixo, gordo, burro e preguiçoso, seguindo assim as teorias raciais reinantes na Europa no século XIX – darwinismo social. Notadamente preconceituosa, esta imagem do nortista acentuada por Guizzo não advém do conhecimento do outro, mas da hostilidade em relação a este outro. Para Albuquerque Junior (2012) preconceito é um conceito que vem antes de entender o diferente. O preconceito quanto a origem geográfica, marca alguém pelo simples fato de pertencer a um outro território, e mesmo as vezes mais poderoso, recebe o estigma de rústico, bárbaro, selvagem, atrasado, menor, menos civilizado.

Ao negar o passado bandeirante reivindicado pela elite nortista e reivindicar a herança paulista para Mato Grosso do Sul, Guizzo procura identificar o Sul Mato-grossense com o que ele acredita ser símbolo de progresso e civilização, não havendo aproximação entre os sulistas e os nortistas, pois os sulistas não consumiam o guaraná ralado e o piqui, mas valorizavam o tereré a a chipa – contribuição paraguaia.

Ao acertar no conteúdo, a Secretaria de Estado de Educação através do incentivo ao trabalho com projetos relacionados a temas de interesse da memória, história e identidade do Mato Grosso do Sul, e o processo de ocupação e povoamento, contribui para o debate acerta da construção da identidade Sul Mato-grossense, suas nuances, contradições, e até transformação de derrota em vitória no caso da Retirada da Laguna para fabricação de heróis.

Na segunda parte deste artigo, pretende-se discutir a identidade Mato-grossense e os elementos constitutivos da identidade Sul Mato-grossense.

Somos uma gente audaz, somos Sul Mato-grossenses, somos nós o povo ladarense.

 

Por: Saulo Alvaro de Mello – Mestre em História/UFGD


[1] Questionamento reconstrutivo compreende a formação do sujeito competente, crítico, supera a condição de agente de manobra, é o conhecimento inovador sempre renovado (DEMO, 2007, p. 11).

[2] Protagonismo Juvenil é uma prática educativa desenvolvida para os jovens, onde ele é o elemento central e participa de todas as fases, do processo educativo.

[3] Cariboca, palavra de origem tupi para referir-se ao cruzamento do branco com o índigena.