Consultas, fornecimento de remédios, medição de temperatura, aferição de pressão arterial e até extração de dentes. Rotinas de saúde que exigem privacidade, higiene e instalações adequadas. Essa é a regra na maioria dos atendimentos médicos, mas em Mato Grosso do Sul, os índios novamente sofrem com a exceção.
Na aldeia Passo Piraju, a 25 km de Dourados, 189 indígenas guarani-kaiowá são submetidos a procedimentos médicos ao ar livre. Em 2010, o “posto de saúde” era nas sombras de um pé de maracujá; em 2011, mudou para debaixo de uma moita de taquara. “Podia pelo menos ter uma lona preta”, reclamam os índios.
Passados mais de oito anos da ocupação e permanência da comunidade no local, a aldeia ainda não têm posto de saúde e a justificativa dada pelos órgãos públicos é a ausência de demarcação. “Em várias oportunidades que se buscou, extrajudicialmente, a construção de um Posto de Saúde no interior da Comunidade, o corriqueiro argumento foi a inexistência de território demarcado como óbice à implementação da política pública em tela”, enfatiza o Ministério Público Federal (MPF), que ingressou com ação na justiça para garantir aos índios o acesso à saúde.
Para o órgão ministerial, a ausência de demarcação não pode ser usada como entrave para a concretização de direitos fundamentais.
Afronta à legislação
Na ação civil pública, o MPF lembra que a comunidade apenas recebe a visita do agente de saúde a cada 15 dias, mesmo existindo pacientes que necessitem de acompanhamento médico regular. São mais de 13 índios com pressão alta, um com diabetes e pelo menos 11 crianças em risco de desnutrição.
A Constituição Federal assegura o direito à saúde e decretos determinam a construção de postos no interior das aldeias, mas o Subsistema de Saúde Indígena – financiado com verbas da União e criado para gerenciar o atendimento médico aos índios – não está presente em Passo Piraju. Na aldeia, não há qualquer estrutura física nem recursos materiais e humanos que, minimamente, atendam ao disposto na Constituição. Uma afronta à legislação brasileira.
Para o procurador da República Marco Antônio Delfino de Almeida, os índios se encontram em estado de alta vulnerabilidade e é insustentável tal situação. ”Esses fatos têm resultado em gravosos danos à população indígena não atendida, pois, privada desses serviços básicos, ela se torna mais suscetível às patologias e agravos à saúde, causas de tantas mortes.”
Energia Elétrica
E os danos à saúde conseguem ser ainda maiores com a ausência de energia elétrica na aldeia, situação que afeta diretamente a saúde das crianças. O mau armazenamento de alimentos e líquidos – já que sem energia fica inviável a utilização de eletrodomésticos – favorece o aparecimento de doenças infectoparasitárias, o que resulta em recorrentes casos de diarreia na comunidade.
Na ação protocolada na Justiça Federal de Dourados, o MPF, além de buscar a construção de posto de saúde, requer a instalação de rede de energia elétrica na aldeia, por meio do programa Luz Para Todos. Contudo, a promoção dessa política pública aos índios esbarra novamente na ausência de demarcação.
A aldeia Passo Piraju, mesmo inserida no conceito de Comunidade Indígena e possuindo todos os pressupostos necessários para ser beneficiária do Plano Brasil Sem Miséria – lares cuja renda mensal por pessoa não ultrapasse 70 reais por mês – tem seu direito negado. Uma contradição, já que todas as características dessa comunidade a classificam como prioritária no acesso à energia elétrica.
Para o Ministério Público Federal, a negativa dada com base na não existência de terras demarcadas é uma irregularidade, visto quer a legislação brasileira não faz qualquer menção à necessidade de demarcação para que as áreas ocupadas por comunidades indígenas possam obter melhorias alçadas com recursos provenientes da União. “Excluir os kaiowás de Passo Piraju do direito ao atendimento específico por profissionais da saúde e isentá-los de usufruir das benesses da energia elétrica é ato totalmente discriminatório, e perdura por esses não possuírem território reconhecido pelos órgãos públicos”.
Urgência
A ação protocolada pelo MPF, com pedido de liminar, pede que a União seja obrigada a construir, em 90 dias, um posto de saúde que supra as necessidades da comunidade e que a rede de energia elétrica seja instalada em também 90 dias, atendendo à prioridade legal que a aldeia possui.
Caso a União não cumpra as determinações legais, a multa mensal sugerida é de R$545 por cada família indígena de Passo Piraju. A quantia deverá ser revertida à própria comunidade para enfrentamento de suas necessidades fundamentais.
Por: Da Redação