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Vara da Infância e Juventude reforça luta do ECA em 2013

Dr. Roberto Ferreira Filho, ex-diretor do Forum de Corumbá, durante palestra com o tema “ECA 22 anos”

Os 22 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente não tiveram conquistas para comemorações, mas em 2013, tudo indica, deve ser diferente, com a instalação em Corumbá e Ladário da Vara da Infância e Juventude, que vai tratar especificamente dos casos e processos relacionais aos delitos de crianças e adolescentes na região. O anúncio foi feito pelo juiz da Infância e Adolescente de Campo Grande, dr. Roberto Ferreira Filho, ex-diretor do Forum de Corumbá, durante palestra com o tema “ECA 22 anos” promovida pela Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania de Ladário, no Espaço Sociocultural (Cine Ladário) na avenida 14 de março, na noite desta segunda-feira, 23 de julho. “Podem marcar, no ano que vem esse sonho se realiza”, afirmou. “Não temos mais o que esperar, o tempo da criança e do adolescente passa muito rápido, e se lá na frente você quiser mudar a realidade, muitas vezes se torna impossível”, acrescentou.

O próximo passo, segundo o juiz, é fazer com que Ladário seja uma Comarca própria. Após nove anos de serviços prestados em Corumbá e Ladário como diretor do Fórum e juiz do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), dr. Roberto Ferreira Filho foi transferido para a Capital. “Me auto-intitulei embaixador de Corumbá e Ladário, e uma de minhas lutas é fazer com que Ladário tenha sua Comarca. Mais justiça e atendimento para a população”, justificou.

Em sua palestra, o juiz dedicou espaço para advertir os eleitores que saibam separar “o joio do trigo” e escolham candidatos compromissados com a legislação e a realidade da criança e do adolescente. “Além de administradores, prefeitos e vereadores têm a função de líderes e transformadores, são referências. A criança, o adolescente e o jovem deve olhar para você e acreditar que pode, sim, viver honestamente”, destacou.

Afirmou ainda que a luta não é só de juízes, desembargadores e delegados, mas de toda a comunidade, da Assistência, da Educação, da Saúde, do Conselho Tutelar e do Creas, no combate aos crimes de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. “A primeira coisa é a gente saber trabalhar em rede. Nessa área, ninguém sozinho faz a diferença. E a vantagem do município de Ladário é que você conhece as pessoas, o contato é mais próximo. Não tem desculpa”, reforçou. Veja a seguir os principais trechos da palestra. (Nelson Urt/Assessor de Imprensa da PML)

Criança era um adulto em miniatura

“Até o século 19 a criança na verdade era adulto em miniatura. Crianças trabalhavam em minas de carvão. No inicio do século 20 vigorou a legislação que passou a tratar as crianças de maneira diferenciada. Em 1959 veio a Declaração da ONU da Criança e do Adolescente. Vinte anos depois, em 1979, a Polônia liderou um movimento mundial pela Convenção na ONU. Dez anos depois, em 1989, a Convenção da ONU, com todos os países do mundo, menos Estados Unidos e Somália, formaliza a nova constituição do ECA. No Brasil, antes do ECA, nos tínhamos o Código de Menores, e até ali o adolescente que cometia ato ilícito tinha o mesmo tratamento que um adulto, o Estado usava o seu poder de tutelar. Desde 3 anos a 18 anos, ficavam em um mesmo lugar. O ECA veio romper com isso ao estabelecer a “proteção integral”, colocando a criança no contingente de direito, obrigando famílias, a sociedade e o poder público a tratar com prioridade crianças e adolescentes. Mesmo em casos de liberação de verbas orçamentárias a criança ganhou prioridade. Portanto, não pode haver desculpa de que não existe verbas para atender crianças.”

Vara da Infância e Juventude é prioridade

“Além da lei o que muda com a instalação da Vara da Infância e da Juventude é o empenho e a dedicação de cada pessoa. Em Ladário e Corumbá deve ser criada uma Vara específica da Infância e Juventude em 2013. É importante para o judiciário dar prioridade às questões envolvendo crianças e adolescentes. Você acaba tendo dois ou três processos envolvendo o mesmo adolescente, mas quando se tem a Vara isso se unifica”.

Capital não tem programa como o Habilitar

“O envolvimento de adolescentes com droga e a exploração sexual da criança e do adolescente é uma preocupação. Não existe tratamento eficaz de usuário de droga que não passe pela motivação e conscientização do paciente, que precisa querer, aceitar. Mas nem sempre se consegue vaga. As vezes se obtém a vaga mas o local não é apropriado. Eu olhava Campo Grande com outros olhos. Mas hoje vejo que é tão ou mais difícil atender paciente dependente de droga em Campo Grande do que aqui. Não temos unidade infantis especificas em Campo Grande. Você vai encontrar unidades para o adulto. Mas o Estatuto diz que a prioridade é a criança. Não temos em Campo Grande nenhum orgão parecido com o Habilitar de Corumbá. Pelo Caps AD tentamos conseguir vagas em comunidades terapêuticas. Só na Vara da Infância temos hoje 2200 processos, dos quais 200 de adolescentes dependentes, mas não se consegue encaminhar nem 10% dessa população para reabilitação”.

Adolescente é uma pessoa em formação

“Prevenção é essencial e não deve se limitar ao adulto. Em primeiro lugar é a facilidade de acesso à informação. Chamar a atenção, mexer com a autoestima. Quando os pais não estão presentes as dificuldades são maiores. Fizemos pesquisa mês passado para mapear perfil das crianças e adolescentes da área educacional com atos infracionais. A maioria no sexto ano, com duas reprovações, matriculado pró-forma, com um responsável legal, com 12 anos começaram a se envolver com uso de entorpecente. Relacionamento com pessoas do mesmo perfil. O que ocorre é que o Estado vai reconhecer o adolescente nessa área, mas a intervenção não pode ser como se trata do adulto. É um processo, ele não começou assaltando. Ele começou nesse ambiente, com dependência de droga. Vai cumprir medida sócio educativa. O atendimento ao adolescente tem de ser diferenciado porque ele é pessoa em formação, em condição peculiar de desenvolvimento. Se você se preocupar com repressão, não cuidando de tudo isso que cerca a vida do jovem, estaremos, como se diz na gíria, chutando gelo.”

Prefeito e vereadores são líderes e transformadores

“A preocupação não é só do juiz, da policia, da Promotoria, da Defensoria Pública. A preocupação é coletiva, é da Assistência Social, da Saúde, da Educação, e aí vem o desafio. Não posso falar de eleição, mas posso passar uma informação: temos de ter consciência na hora da eleição. Porque às vezes a pessoa assume o cargo sem jamais ter se preocupado em conhecer a base da legislação da Infâcia e Juventude. Aí perde a oportunidade de criar projetos, de motivar equipe, de conhecer a realidade, passa quatro, oito, doze anos exercendo mandato e a realidade não muda. Prefeito e vereadores têm outra função além de administrar, tem de ser líderes e transformadores. São referências. A área da infância, como afirmou Eduardo Galeano em seu livro “Veias Abertas da América Latina”, é um campo da utopia, do sonho, da perseverança, do não desistir, de acreditar que pode ser diferente, de vencer o senso comum, de não achar que adolescente é só um marginal, um bandido que apronta e a gente só passa a mão na cabeça. Temos a obrigação de mostrar que não é assim, que não pode ser assim”.

Temos de saber separar o joio do trigo

“Darcy Ribeiro (escritor e antropólogo) disse: sabe o que diferencia a criança que nasce no Brasil daquela que a que nasce no Japão, na Alemanha, na Itália, Estados Unidos? Nada. É exatamente igual. E completava: o que muda são as oportunidades concedidas na vida da criança. A criança não vai nascer para o assalto, latrocínio, violência familiar e consumo de droga, pelo contrário. Mas (a criança) é produto do meio. E nós temos, sim, que enfrentar toda essa realidade. E o Darcy Ribeiro completava: “o que diferencia o Brasil dos outros países é que a elite brasileira é mais egoísta do que a elite daqueles outros países. Porque coloca o dinheiro, o poder e a riqueza como valor supremo. Então temos de demonstrar que tem jeito para reverter essa situação, temos de enfrentar e saber separar o joio do trigo”.

Crianças precisam de proteção, não de exploração

“Outro problema sério é o abuso e exploração sexual. Vi uma reportagem em Rondônia com relação à construção de usinas hidrelétricas, com a chagada de muitos trabalhadores, que deixam suas famílias e se concentram em comunidades. E aparece a pessoa que age sem ética, sem caráter, sem pudor, sem compaixão, e vê naquela situação uma oportunidade de ganhar dinheiro. Tem a mercadoria, que é a criança, e o consumidor, com necessidade de satisfazer o desejo sexual. A pessoa (explorador sexual) chega ao ponto de fazer dinheiro ofendendo a dignidade humana de pessoas que estão em desenvolvimento, que são naturalmente frágeis, precisam de proteção e não de exploração.”

É preciso saber trabalhar em rede

“Temos no Brasil de conviver com a exploração sexual de criança e adolescentes, e é fácil ouvir: o que fazer? A primeira coisa é a gente saber trabalhar em rede. Nessa área, ninguém sozinho faz a diferença. E a vantagem do município de Ladário é que você conhece as pessoas, o contato é mais próximo. Não tem desculpa. Conselho Tutelar, Creas, Saúde, Educação têm de ser organizar e conversar. E quando precisar da intervenção judicial recorram ao Ministério Público e ao juiz da área. O Código dos Menores colocava o juiz como todo poderoso, já o Estatuto de Criança e do Adolescente divide funções. Então é fundamental essa articulação.”

Qual vai ser a plataforma para a Infância?

“Outra coisa importante é o jovem se mirar em bons exemplos. Assim como o adolescente tem aquele impulso e falta de limite, ele tem um lado muito bom, é muito mais suscetível ao ouvir e guardar boas referências e boas idéias. E nosso papel, do administrador, juiz, delegado, autoridade de modo geral, pode fazer a diferença. A criança, o adolescente e o jovem devem olhar para você e acreditar que podem, sim, viver honestamente, ganhar de acordo com a oportunidade. Devemos cobrar nossos candidatos a vereador e a prefeito. Perguntar: o que você pensa da área da Infância? Tem consciência da nossa realidade? Como é que você vai mudar isso? Qual o seu compromisso? Qual vai ser sua plataforma para esse campo? Ou você vai eleger alguém sem compromisso? O tempo do jovem passa muito rápido. E lá na frente você querer mudar essa realidade muitas vezes se torna impossível. Não há mais o que se esperar.”

“Embaixador de Ladário” luta por Comarca

“Me autointitulei embaixador de Ladário e Corumbá quando fui para Campo Grande como juiz da Infância e Juventude e levei um objetivo: lutar pela Comarca de Ladário, para que as pretensões do município não sejam tratadas em segundo plano. Se você tem uma Comarca, um juiz envolvido com a comunidade, os outros poderes vão se interligar e elevar também. Mais justiça e melhor atendimento para a população. Quando você tem todos os setores no mesmo ambiente, é muito mais eficaz. Não tem mais o que esperar”.

O próximo passo, segundo o juiz, é fazer com que Ladário seja uma Comarca própria

 

Por: Da Redação

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