A região sul do Pantanal está sofrendo tardiamente os efeitos da maior cheia dos últimos 20 anos ocorrida em três sub-bacias pantaneiras localizadas ao norte, em território sul-mato-grossense. Em Porto Murtinho, no sudoeste de Mato Grosso do Sul, o nível do Rio Paraguai chegou a 6,82 metros no dia 25 de julho, de acordo com a régua da Agência Fluvial da Marinha. O marcador pode chegar mais próximo dos 7 metros até o fim de julho.
Na ilha fluvial Margarita, que fica em frente à sede do município brasileiro e pertence ao Paraguai, a população enfrenta problemas com o elevado nível do rio. Residências e comércios estão com água na porta, e alguns atracadouros ficaram submersos. O gerente de uma loja, o brasiguaio Márcio Riquelme, disse que há 15 anos não via uma cheia tão grande como a atual. “Tem um vizinho que a loja está com um metro e meio de água. Na minha loja ainda não chegou, mas o movimento de clientes caiu bastante”, relata.
Na zona rural, pecuaristas tentam evitar prejuízos recolhendo o rebanho até as partes mais altas nas fazendas. Já na área urbana da cidade de 15 mil habitantes, um dique protege a cidade de alagamentos e suporta cheias de até 10 metros.
A elevação do Rio Paraguai em Porto Murtinho já era prevista pelos pesquisadores da Embrapa Pantanal, que fazem comparações entre a régua daquela cidade e a de Ladário, situada a cerca de 500 quilômetros em direção à nascente. O 6º Distrito Naval da Marinha em Ladário mantém desde 1900 uma régua de medição.
Em julho deste ano, a régua de Ladário marcou 6 metros, índice considerado acima da média. Na última década, o nível máximo atingiu 5,40 metros, em junho de 2006. Já o mínimo registrado pelo instrumento foi de 0,88 metro em novembro de 2005.
De acordo com a Embrapa, o volume maior de água – em parte ocasionado pelas chuvas de fevereiro e março nas sub-bacias do Aquidauana, Rio Negro e Miranda – foi o que provocou a elevação do nível do Rio Paraguai ao sul do Pantanal. Como o relevo pantaneiro é de baixa declividade (não mais de 1 metro por quilômetro em sentido leste-oeste e até 5 centímetros no norte-sul), as águas podem levar meses até escoar para o rio.
Chuvas acima da média
Em março deste ano, as populações das cidades ribeirinhas de Aquidauana e Anastácio, situadas no pantanal sul-mato-grossense, viveram os efeitos da chuva intensa na região. A precipitação provocou a cheia do Rio Aquidauana, que divide as duas cidades onde vivem 70 mil pessoas. As águas chegaram a nove metros de altura e transbordaram do leito. Como consequência, mais de 850 pessoas ficaram desabrigadas ou desalojadas, além de danos a imóveis, estradas, pontes e prejuízos na zona rural.
O tentene Landis, do Corpo de Bombeiros em Aquidauana, trabalhou no mutirão de resgate das famílias que viviam às margens do rio. Ele conta que algumas pessoas não queriam abandonar seus imóveis. “Teve um rapaz que nos procurou dizendo que o pai dele, um idoso, não queria sair da casa. O senhor ergueu todos os móveis na altura do teto. Foi difícil, mas convencemos o idoso a sair”, diz Landis.
A enchente sem precedentes na história recente das duas cidades mobilizou mais de 200 pessoas para ações de resgate e auxílio, entre membros do Corpo de Bombeiros, Exército e prefeituras. Após serem removidas dos locais de risco, as famílias foram transferidas para abrigos improvisados em escolas, ginásios e igrejas. Apesar da calamidade, não houve registros de afogamento ou morte no período, segundo Landis.
As cidades de Aquidauana e Anastácio margeiam o rio que é um dos afluentes do Pantanal. Toda a região pantaneira é caracterizada por ciclos prolongados de cheia e seca, alternadamente. Segundo meteorologistas, o fim da estação de verão também marca a proximidade do término do período chuvoso, que dura de outubro a março.
De acordo com o Centro de Monitoramento do Tempo, do Clima e dos Recursos Hídricos (Cemtec-MS), a média histórica de precipitação na região de Aquidauana e Anastácio é de 125 milímetros em março. Mas neste ano, apenas nos primeiros 13 dias de março, choveu 216,6 milímetros, ou 173% do esperado para o mês inteiro. A meteorologista Cátia Braga aponta as causas da concentração severa de chuva: “O que provocou o fenômeno foi a Zona de Convergência do Atlântico Sul, que fica bem caracterizada nos meses de verão e altera o regime de chuvas nas regiões por onde passa”, diz.
As águas pluviais também deixaram estragos na zona rural, onde a pecuária constitui uma importante fonte geradora de riquezas. O presidente do Sindicato Rural de Aquidauana, Timóteo Proença, estima prejuízo de até 20% do rebanho dos produtores da região por causa da enchente. “Sempre fazemos o manejo do gado para as partes mais altas, mas este ano foi uma cheia diferente, atípica”, conta.
Embora o pantanal seja regulado pela alternância de fenômenos climáticos intensos, seus efeitos são extremamente benéficos para o bioma, de acordo com o doutor em recursos hídricos da Universidade Católica Dom Bosco, Felipe Dias. “É a cheia que mantém o equilíbrio e a diversidade da vida no pantanal”, afirma. Condição que se confirma pelos pecuaristas. “Depois da cheia fica ótimo, o pasto se renova e as águas eliminam naturalmente as pragas”, diz Timóteo Proença.
“O produtor tradicional sabe que em determinadas épocas pode ou não manejar o gado. Por isso consegue trabalhar de forma harmônica com a natureza. Quem pensar que pode adotar as mesmas práticas que no planalto, irá falhar”, explica Dias. (G1-MS)
Por: Da Redação