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Dragagem inédita no Rio Paraguai em época de clima extremo gera alerta sobre o Pantanal

 

O ano passado foi totalmente atípico para o Pantanal. Pela primeira vez, a bacia teve declaração de escassez hídrica, os incêndios atingiram recorde, o Rio Paraguai chegou ao pior nível em 124 anos e a navegação pela hidrovia foi interrompida. Em meio a esse cenário, no fim de 2024, o Governo Federal lançou a concessão da hidrovia do Rio Paraguai.

Estudiosos e defensores do meio ambiente que sempre foram contrários a procedimentos invasivos no leito do rio, como a dragagem, necessária para a navegação comercial, criticam a iniciativa e destacam os efeitos da mudança climáticas. Um dos destaques de 2024 foi o ambientalista Carlos Nobre dizendo em rede nacional que o Pantanal caminha para o fim.

Estudo de viabilidade da concessão da hidrovia coloca as manutenções (dragagens e derrocagens) como fundamentais para a navegação comercial. Mas muito se questiona sobre os impactos ambientais das obras, principalmente em época em que o clima extremo gera cenários inéditos no Pantanal.

“Dragar o rio significa aumentar a velocidade do fluxo da água para facilitar a navegação e consequentemente a vazão de água aumenta e diminui o tempo da área inundada. A água vai embora mais rápido. Agora num cenário de eventos climáticos extremos, como temos visto, teremos um Pantanal mais seco e com consequências diretas em toda a biosfera”, afirma o doutor em Biologia Vegetal e colaborador da Iniciativa Documenta Pantanal, Sandro Menezes.

Dragagem inédita gera riscos

Nunca ocorreu dragagem no Rio Paraguai em Mato Grosso do Sul e não existem licenças ou autorizações ambientais emitidas para dragagem ou derrocamento no trecho. Logo ao lado, no Rio Paraguai no Mato Grosso, as dragagens têm acontecido apesar do pouco apelo comercial da hidrovia.

Quem trabalha com meio ambiente no Tramo Norte do rio faz os mesmos questionamentos sobre a dragagem. “Precisamos evitar que a água saia rapidamente do Pantanal”, diz Pierre Girard do site oeco.org, do CPP (Centro de Pesquisas do Pantanal) e professor associado do Instituto de Biociências da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso).

Em agosto de 2024, cerca de 40 cientistas especializados no Bioma Pantanal elaboraram uma carta aberta à União, onde consideraram “extremamente temerário” que sejam realizadas operações de dragagem no leito do rio em meio à escassez hídrica excepcional.

“As alterações devido às dragagens no canal do rio podem desconectar o rio de sua planície de inundação, encurtar, por conseguinte, o período de inundação e reduzir as áreas úmidas, resultando em grave degradação da diversidade biológica e cultural do Pantanal, que são destaques globais. Os sedimentos do rio são em sua maioria arenosos e exigem dragagem permanente”, dizia a carta.

Por fim, citam estudos internacionais que apontam para dragagem contínua resultando na redução significativa da conectividade entre o rio e suas planícies, alterando padrões naturais de sedimentação e exigindo intervenções contínuas. Esses impactos levaram à degradação de habitats críticos e afetaram negativamente a biodiversidade.

Pantanal pode acabar?

Para entender sobre o possível fim do Pantanal precisamos relembrar qual a principal característica do bioma: a água. O Pantanal é uma planície alagável, formada por várias lagoas e com um regime de chuvas e secas historicamente bem definido. Porém, em 2024 o bioma esteve seco, sem cheia, sem lagoas, sem navegação e com muito fogo. Conforme os ambientalistas, este é um exemplo de como o Pantanal pode acabar.

“A força motriz do bioma são as áreas alagadas, se secar vai virar um Cerrado, uma Savana. Sem água o Pantanal é um Cerrado, sujeito a muitos incêndios. Então, vai se transformar em outra coisa que não é o Pantanal, com as áreas alagadas que a gente conhece”, afirma o ambientalista de Mato Grosso do Sul, Sandro Menezes.

Ângelo Rabelo, presidente do IHP (Instituto do Homem Pantaneiro), destaca que é possível mudar, mas isso depende da ação de todos.

“Lamentavelmente, não há como não admitir a fala do cientista Carlos Nobre, que vem dando alerta há muitos anos, e nós seguimos na contramão. As ações efetivas para reverter esse processo serão possíveis, mas darão resposta a médio e longo prazo”, afirma Rabelo, que atua há 30 anos como ambientalista no Pantanal.

Concessão da hidrovia

De forma inédita no Brasil, o Governo Federal decidiu entregar a hidrovia do Rio Paraguai para concessão privada. São 590 km de Rio Paraguai que podem ficar sob concessão por 15 anos, prorrogáveis. Para viabilizar a navegação, estudo da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) aponta que são necessários investimentos de R$ 63,7 milhões nos cinco primeiros anos.

Sem dúvida os custos com a manutenção do Rio Paraguai, para garantir a navegabilidade, são os mais altos da concessão. Informações do estudo de viabilidade, dos R$ 63 milhões em investimentos, ao menos metade devem ser investidos em dragagem.

A empresa que decidir administrar a concessão também terá que lidar com compensação ambiental, preservação do patrimônio arqueológico, áreas de preservação ambiental, terras indígenas e impacto em comunidades ribeirinhas. Vale lembrar que estudos, autorizações e compensações estão previstos em cada um dos itens.

*Midiamax