Por maioria, em sessão de julgamento telepresencial, os desembargadores do Órgão Especial negaram pedido de liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela OAB/MS contra o Decreto n° 5.194/2020, posteriormente modificado pelo Decreto n° 5.202/2020, do Município de Ladário, que conclamou a população ladarense a fazer orações voluntárias a Deus e/ou a manifestação da fé, como medida complementar no período de pandemia da Covid-19, que recai sobre o município e sobre a nação brasileira.
Sustenta a entidade que o Decreto n° 5.194 convocava a população cristã ladarense a 21 dias de oração e um dia de jejum, além da participação em cerco espiritual de orações, clamando por livramento do novo coronavírus. Diante da repercussão, editou-se o Decreto n° 5.202, não mais convocando, mas conclamando a população e não mais apenas os cristãos, porém mantendo as orientações e sugestões de orações de 18 de maio a 7 de junho, além de uma corrente/cerco de oração no dia 7 de junho, além de jejum, tudo com intenção de complementar as medidas sanitárias já realizadas pelo Município no combate à pandemia.
Argumenta a entidade que o ato normativo viola o princípio da laicidade do Estado, na medida em que pauta ações do poder público, de acordo com orientações e fundamentações religiosas, e não observa a ampla liberdade de crença, descrença e religião presente no meio social do Município de Ladário, prestigiando práticas cristãs em detrimento das demais. Assim, buscou a concessão de medida cautelar a fim de suspender liminarmente o ato como forma de restabelecer o Estado laico não discriminatório.
Considerando a natureza e urgência da matéria, o relator do processo deferiu a medida monocraticamente no dia 26 de maio e encaminhou a ADI para julgamento na sessão do Órgão Especial do dia 3 de junho, quando os magistrados acompanharam o voto do Des. Eduardo Machado Rocha, apontando que o decreto impugnado não é uma norma cogente, de cumprimento obrigatório, sendo apenas facultada a adesão do povo.
Em seu voto, o desembargador lembrou que, para concessão de medida cautelar em ações de cunho constitucional, são necessários dois requisitos básicos: a relevância jurídica do pedido (fumus boni iuris) e o perigo da demora (periculum in mora), sendo imperiosa a presença cumulativa de ambos.
“No meu entender, nenhum dos requisitos restou preenchido. O Brasil um país laico, uma vez que não há qualquer religião oficial da República Federativa do Brasil e a laicidade constitucional não só reconhece a todos a liberdade de religião, como também assegura absoluta igualdade dos cidadãos em matéria de crença, garantindo às pessoas plena liberdade de consciência e de culto”, ressaltou.
Para o desembargador, é fácil perceber que o Decreto nº 5.202, que alterou o Decreto nº 5.194, ao conclamar toda a população ladarense a aderir as orientações de orações e jejum em prol do combate à pandemia, não violou qualquer norma constitucional, ao contrário, assegurou a mais ampla aplicação da liberdade de crença e de religião.
“O Decreto não faz alusão a uma religião específica, dirigindo-se à população cristã e não cristã, o que ficou bastante evidente no artigo 1º, caput e parágrafo único. Enquanto o caput refere-se aos cidadãos ladarenses que possuem fé, chamando-os à oração, o parágrafo único dirige-se àqueles que não possuem fé e/ou crença em Deus, recomendando a utilização da ‘fé pessoal’ para a melhoria da situação da pandemia, visando com isso aliviar a depressão e a ansiedade do povo”, acrescentou.
A intenção do Decreto, no entender do magistrado, não é impor uma crença religiosa ou a observância de princípios teológicos e diretrizes religiosas, mas sim assegurar a liberdade de crença e religião e a prática de seu exercício, em qualquer de suas formas. De acordo com o voto divergente, o que é vedado em respeito à laicidade do Estado é privilegiar uma religião em detrimento de outras ou impor à população que sirva a alguma crença.
“Não se pode proibir a livre manifestação religiosa através da oração, pois aí sim haveria violação à liberdade de manifestação de pensamento e de crença. Diante de uma norma de natureza não obrigatória, de adesão voluntária da população e sem imposição de penalidades para o caso descumprimento, não há o fumus boni iuris e muito menos o periculum in mora que autorizariam a concessão da tutela cautelar. Logo, voto no sentido de indeferir a medida cautelar”, concluiu.
*Informações da Secretaria de Comunicação TJ/MS