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Escondidos entre muralhas, heróis anônimos trabalham pela manutenção da paz social

 

São 7h30 de uma sexta-feira e o policial penal Victor se prepara para iniciar mais um dia de plantão, rotina que segue nos últimos 20 anos de sua vida. Ao passar o portão de umas das penitenciárias de Mato Grosso do Sul, ele se organiza para chefiar a equipe de segurança interna daquele dia.

Após pegar as informações do plantão anterior e conferir o material carga, ele sabe como irá começar, mas nem imagina como entregará o posto. São 24 horas de atenção e tensão para que o trabalho de todo o presídio possa fluir. Mas a rotina fria do serviço em meio às grades não limita sua vontade de construir um mundo melhor.

A realidade profissional de Victor e seus companheiros de serviço somente pode ser conhecida através da vivência diária no ambiente de trabalho, pois os muros da prisão e o meio hostil que atuam, os tornam invisíveis, ou mesmo estigmatizados, aos olhos da sociedade, apesar de serem fundamentais.

Desempenhando a segunda profissão mais perigosa do mundo, conforme avaliação da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que classificou o risco de trabalhar de forma direta com os mais perigosos criminosos, esses profissionais mantêm a ordem, disciplina, custódia e vigilância no local, garantindo a segurança para que as ações de ressocialização aconteçam.

O clima tenso constante que há nas penitenciárias, a pressão para manter a população carcerária contida e longe das pessoas que estão extramuros, a vigilância permanente para evitar fugas dos apenados, ao mesmo tempo em que buscam combater o poder paralelo do crime. Nessa desgastante rotina, a coragem e o medo estão sempre presentes, tamanha a complexidade e perigos da profissão.

Victor é o esteio de sua equipe. É dele a função de fiscalizar, durante todo o período de serviço, as dependências da unidade prisional e os postos de serviço, orientando seus comandados quanto à conduta, higiene, frequência, assiduidade, comunicando de imediato toda e qualquer ocorrência irregular. “Na noite anterior ao meu plantão procuro dormir bem, para ter atenção total no serviço e não ter espaço para erro”, afirma.

A conversa é interrompida pelo rádio comunicador. A equipe de portaria chamou pelo código 01, que é do chefe de equipe, em referência à importância da função. Desta vez, foi chamado na portaria para receber um interno vindo de outra unidade. Após as conferências de praxe para certificar que não há nenhum erro com a documentação apresentada, o chefe de equipe faz a preleção com o novo custodiado, explicando todas as regras que ele precisa seguir naquela penitenciária. Situação que se repete em outros momentos do dia, numa mistura de rotina e novidade, pois “cada situação é única”, segundo ele.

Assim, sob olhar atento do chefe de equipe e demais companheiros, o dia na penitenciária segue seu curso, com os atendimentos, que são muitos: de saúde, das chefias de segurança e disciplina, oficinas de trabalho, escola, advogados, videoconferências, chegadas e saídas de presos, entrega das refeições, entre outras situações cotidianas.

Nessas duas décadas de serviços prestados, praticamente todos em plantões, Victor, que já atuou em outras unidades, avalia que o principal é assumir a postura de líder, não de chefe.  “Procuro estimular o trabalho em equipe e respeitar as responsabilidades de cada um”, garante, e sua equipe demonstra corresponder, quase não acionando seu líder neste dia.

Chega a hora da última “tranca”, jargão usado entre os policiais penais para o encerramento do banho de sol e fechamento dos internos nas celas. A tensão está no ar, mas o serviço é concluído com êxito. Os policiais penais responsáveis pelos pavilhões fazem um novo confere. Ninguém fugiu.

Termina o expediente normal e a unidade agora está nas mãos apenas da equipe de plantão. É do chefe de equipe a missão de responder pela direção da unidade prisional, até que um novo expediente se inicie. É o que está estabelecido no RIBUP/MS (Regimento Interno Básico das Unidades Prisionais do Estado de Mato Grosso do Sul).

A movimentação maior segue até às 18h35, logo a noite se torna silenciosa, os barulhos das grades sendo movimentadas, do abre e fecha de algemas e o balançar das chaves, agora dão lugar a murmúrios e alguns gritos de internos que ecoam por entre os pavilhões, o tempo corrido durante todo o dia, agora passa devagar. A atenção maior é para evitar fugas, os olhares já cansados da correria do dia precisam se manter atentos, vencendo o sono e a exaustão. “Algumas noites são tranquilas, outras não”, alerta o chefe de equipe, que seguiu noite adentro envolvido nos lançamentos do dia. A madrugada seguiu “sem alterações”.

Um novo dia se inicia, é a vez de uma nova equipe responder pela rotina da unidade. Um novo confere é feito por quem vai assumir, acompanhado pelos que irão passar o serviço. Novos heróis anônimos estão com a missão de garantir que criminosos permaneçam presos e a sociedade mais segura.

Nesse contexto, cuja frente de batalha é a manutenção cotidiana da segurança e das regras de procedimento no presídio, esses profissionais são sabedores do papel que cumprem e do peso de vestir a farda preta. A ele e seus companheiros de serviço é reservado um protagonismo de anonimato, cujo verdadeiro prêmio que levam para casa é o fechamento de mais um plantão com êxito e a certeza do dever cumprido.

*Keila Oliveira, Agepen / Fotos: Tatyane Santinoni – Agepen