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“Falta vontade política para solucionar a questão indígena em MS”, afirma MPF

Indígena ferido na ação policial em Sidrolândia (MS)

O Ministério Público Federal (MPF) se pronunciou na manhã de hoje (4) sobre a tensão entre índios e fazendeiros em Mato Grosso do Sul. A instituição, responsável constitucionalmente pela defesa dos interesses das comunidades indígenas, emitiu nota em que considera a demarcação de terras um problema político.

Para o procurador da República Emerson Kalif Siqueira, “falta vontade política para solucionar a questão indígena”. Segundo ele, muitas são as alternativas para minimizar os efeitos do conflito fundiário no estado, inclusive reparação por titulação errônea de terras, mas a omissão da União em enfrentar a temática só tem agravado a tensão no campo.

A nota destaca ainda o despreparo da polícia em enfrentar conflitos fundiários, os cartuchos de armas letais privativas das forças de segurança coletados no local do conflito, e apresenta as medidas que poderiam ser adotadas pela União para resolver os conflitos fundiários em Mato Grosso do Sul.

Confira a íntegra da nota do MPF/MS:

O Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso do Sul vem a público esclarecer a questão indígena no estado e ressaltar a vontade de pacificar os conflitos fundiários de modo a evitar que novos casos de violência tragam mais insegurança às comunidades indígenas e à toda sociedade sul-mato-grossense.

Falta de vontade política

Os conflitos fundiários em Mato Grosso do Sul são históricos e resultam de uma série de ações e omissões do Estado brasileiro. Para se entender a tensão do campo, é preciso antes analisar a história de ocupação do estado, que resultou no esbulho de comunidades indígenas de seus territórios tradicionais e na concessão de títulos públicos a particulares.

Com o final da Guerra do Paraguai (final do século XIX), houve a anexação de áreas que não integravam o território brasileiro. Para garantir a soberania do país na região, a União fomentou a vinda de colonos para o então estado de Mato Grosso, propagando a riqueza do solo e a certeza de um pedaço de terra aos colonizadores.

Essas terras, ocupadas por comunidades indígenas, foram tituladas em sua grande maioria pelo Estado de Mato Grosso e, em alguns casos, pela União a particulares, via de regra de modo oneroso, e os índios que moravam nessas áreas foram confinados em reservas indígenas, criadas no século XX, sem respeitar as diferenças étnicas e grupais.

As reservas constituem, atualmente, o único espaço de terra de que os índios dispõem para viver, cultivar, preservar os recursos garantidores de seu bem estar e de sua reprodução física e cultural.

Se, de um lado, os índios lutam pelo reconhecimento e retorno ao território tradicional de que foram expulsos, por outro, proprietários de terra que possuem títulos de boa-fé, outorgados pelo estado brasileiro, não querem perder o valor da “terra nua” ao terem suas áreas identificadas como tradicionais.

Diante desse contexto, o Ministério Público Federal encaminhou, em 2010, ofício à Secretaria do Patrimônio da União em Mato Grosso do Sul reconhecendo as dificuldades administrativas e judiciais para a efetivação da demarcação de terras indígenas.

Para o MPF, a solução para o conflito seria a reparação do dano causado aos fazendeiros pela titulação errônea de terras indígenas. “Por mais que a sugestão possa vir a beneficiar os produtores rurais, objetiva tornar mais célere as demarcações de terras indígenas em Mato Grosso do Sul, permitindo o retorno dos índios às suas terras tradicionais e, em consequência, a manutenção de sua cultura, usos, costumes e tradições”, enfatiza o documento, ao mesmo tempo em que diferencia que a medida reparadora apontada não constitui violação ao § 6º, do artigo 231, mas sim a efetiva aplicação do § 6º, do artigo 37, ambos da Constituição Federal, por vislumbrar a prática de ato ilícito (civil) por agentes do estado.

Contudo, até agora, a União não se pronunciou sobre a proposta e insiste em desqualificar estudos demarcatórios, aumentando a insegurança no campo.

Para o procurador da República Emerson Kalif Siqueira, “falta vontade política para solucionar a questão indígena no estado. São muitas as propostas para minimizar a tensão fundiária, mas a postura da União – de apenas receber um lado do conflito e de ignorar que grande parte da situação decorre principalmente da titulação errônea de terras, a cargo da administração pública como um todo -, só tem agravado a situação, chegando ao ponto de batalhas judiciais perdurarem durante anos e de casos de violência se tornarem frequentes no estado”.

Algumas disputas judiciais entre os indígenas e os proprietários de terras já chegam aos 30 anos, sem solução à vista.

Questão indígena não é caso de polícia

Além da omissão do Estado, o trato da questão indígena pelo judiciário também demostra despreparo na condução dos conflitos.

“Não se trata a questão indígena como caso de polícia. Se forem necessárias horas ou dias de conversa e negociação, que se explique, enfatize, converse, negocie. O que não se pode é deixar que a inapetência da polícia – que não tem experiência em conflitos rurais – transforme populações tradicionais em alvo de violência”, destaca o procurador.

No caso da Fazenda Buriti, ressalta-se que a ação policial para reintegração da fazenda foi realizada horas depois da audiência de conciliação na Justiça Federal, em 30 de maio. Na ata da reunião, o juiz deixou clara a responsabilidade da polícia na condução da operação. “Cabe à autoridade policial tomar as cautelas devidas resguardando-se, na medida do possível, e sempre preservando a integridade física e psíquica de todas as partes envolvidas”.

Em sentido reverso, decisões judiciais que determinaram em outras unidades da federação a desintrusão de não-índios de terras indígenas têm o seu cumprimento alongado no tempo, existindo situações em que a demora já ultrapassa anos.

Contudo, não houve comunicação prévia dos órgãos de assistência aos índios, o que “poderia proporcionar uma melhor condução da negociação, atendendo à recomendação feita pelo juiz de preservar a integridade dos envolvidos. Não se pretende e nem se cogita em ignorar a ordem judicial – um dos pilares do estado democrático de direito é exatamente o cumprimento às determinações emanadas do Poder Judiciário – mas é preciso repensar sua execução, de modo a preservar princípios basilares da Constituição Federal, em especial a dignidade da pessoa humana”, ressalta Emerson Kalif.

Excesso na atividade policial

Quanto à reintegração de posse da Fazenda Buriti, o Ministério Público Federal, com a instauração de procedimento preparatório, tem adotado todas as providências para apurar a morte do índio terena Oziel Gabriel e eventual excesso na atividade policial.

No último sábado (1/06) foi realizada, também a pedido do MPF, nova análise do corpo de Oziel para identificar as causas da morte do indígena. Médicos legistas – um perito criminal federal e outro encaminhado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – fizeram necropsia e o laudo, quando liberado, será oportunamente divulgado.

Na operação, comandada pela Polícia Federal, 18 indígenas foram presos – 3 adolescentes, 1 mulher, 3 idosos e 11 homens – por resistência ao cumprimento de ordem judicial. Os índios foram ouvidos, fizeram exame de corpo de delito e, na madrugada de sexta (31/05), foram liberados.

Quanto ao uso ou não de armas letais, o MPF recebeu dos indígenas cápsulas de balas. Cartuchos de munição “.40”, “.45 auto” e “9mm” foram encontrados pelos índios logo após a operação de reintegração da Fazenda Buriti.

O material foi entregue ao Ministério Público Federal (MPF) para análise. A munição é de armas de uso restrito da polícia e demonstra que a ação realizada contou com armamento letal, ao contrário do que foi divulgado pelo governo estadual.

Dezenas de índios estão feridos – a maioria por balas de borracha – e devem passar por exames de corpo de delito. Nos próximos dias, o MPF deve colher depoimentos dos índios e de testemunhas da reocupação para subsidiar investigação criminal.

 

Por: Da Redação

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