Escola Estadual Júlia Gonçalves Passarinho, que oferta ensino em tempo integral, através do programa “Escola da Autoria “, em Corumbá, realizou atividade de muita reflexão com os protagonistas com espetáculo “O que os olhos veem o coração sente?”
Os estudantes do Ensino Fundamental assistiram a peça teatral que traz um enredo de um personagem que fica cego em meio à sua carreira profissional e início de um casamento, enfrentando um grande percurso até sua aceitação.
Acessibilidade
De acordo com o diretor da peça, Alexandre Melo, a ideia do roteiro do espetáculo nasceu de uma conversa com seu tio Delci Francisco, de 55 anos. “Já faz alguns anos, o meu tio me parabenizava por uma apresentação que fiz, mas aí ele me disse que era uma pena que nunca iria conseguir me ver em cena. Aquilo mexeu comigo profundamente. De fato, a grande maioria dos espetáculos aqui, de teatro, os filmes, não tem acessibilidade, não tem audiodescrição, nada. Aí eu comecei a pensar no projeto, só que ao invés de fazer algo apenas acessível para eles, eu quis fazer um espetáculo que leve o público para o mundo deles, que o público possa sentir o mundo como eles sentem, assim nasceu o espetáculo”, disse.
Durante a apresentação os estudantes ficaram de olhos vendados, apenas ouviam as vozes do narrador e dos personagens, além de terem os sentidos aguçados. A produção do espetáculo conforme a narrativa seguia, apresentava ações sensoriais que estimulavam os diversos sentidos dos estudantes, exceto a visão: olfato, tato e audição.
“Assistir a esse teatro com integrantes cegos foi uma grande experiência, pois eu nunca tinha pensado em como seria ficar sem a visão e de depender dos outros sentidos. Conforme acontecia a história, o teatro ia nos colocando na pele do personagem, sentindo cheiros sem saber de onde é, tocar de forma suave para descobrir formato, ouvir com calma e atenção. Foi uma experiência nova que me colocou a pensar como seria minha vida caso eu perdesse a visão, como eu iria me adaptar, como isso mudaria meu Projeto de Vida e como isso também poderia interferir na vida da minha família toda”, frisou a estudante Mikaely dos Santos, 9º Ano B.
A professora de Arte, Roseli Arévalo, que acompanhou os estudantes na apresentação teatral, apontou que este foi um momento de grande oportunidade para enaltecer a arte e a vivência social. “Fiquei emocionada com o teatro. Foi um momento de grande aprendizagem aos nossos estudantes, pois foi uma ação que uniu arte e reflexão social. Foi emocionante ver nossos estudantes se colocando no lugar do outro, refletindo sobre seu papel social e sobre acessibilidade”, concluiu.
Além de estudantes, o espetáculo contou com a presença de direção, coordenação e funcionários da Escola da Autoria Júlia Gonçalves Passarinho, além de Eugenia Alexandra Blacuth de Tomicha Verao, técnica do Núcleo de Educação Especial (NUESP) da Coordenadoria Regional de Educação de Corumbá (CRE 03).
Apresentações abertas e gratuitas
As apresentações da peça estarão abertas ao público geral de Corumbá aconteceram nos dias 20, 21 e 22 de maio com entradas gratuitas em diferentes pontos da cidade. No sábado, 21 de maio, a programação começa às 9h da manhã, com um Workshop sobre a acessibilidade no teatro para deficientes visuais, que ocorrerá no Instituto Moinho Cultural. O Workshop será gratuito, com a duração de 3 horas para um público de no máximo 200 pessoas. Essa ação terá o objetivo de transformar o olhar das pessoas em relação à deficiência visual, agregando novos conhecimentos e percepções sobre a inclusão dessas pessoas ao meio artístico.
Às 19h do mesmo sábado, também no Moinho Cultural, ocorreu o 3º dia da apresentação do espetáculo teatral. O último dia de apresentação foi no domingo, 22 de abril, às 19h, também no Instituto Moinho Cultural, localizado na Rua Domingues Sahib, número 300, no Bairro Beira-Mar.
A peça é patrocinada pelo Instituto Cultural Vale, através da Lei de Incentivo para Cultura, da Secretaria Especial da Cultura e Ministério do Turismo – Governo Federal, por isso, a estreia deve acontecer numa cidade onde a Vale tenha atividade, o caso de Corumbá.
Elenco
Jefferson Messias da Silva, de 28 anos, é o protagonista da peça. Ele dá vida ao personagem ‘Lucas’. Jefferson é deficiente visual com baixa visão. “Eu tenho uma doença hereditária que atinge homens na faixa etária de 15 a 16 anos, que foi justamente quando eu comecei a sentir a perda da visão”, esclareceu. No caso de Jefferson, ele consegue ver cores, mas completamente desfocado. Ele tem visão periférica (lateral), com apenas 5% de visão.
Nivaldo Santos, de 47 anos, é um dos atores cegos. Do elenco, ele é o único que já teve experiências anteriores com teatro. “Eu já trabalho com teatro, desde 1993 aqui no Ismac. Porque eu vim para cá depois que fiquei cego entre os 15 e 18 anos, num acidente de trabalho. Aí depois tive glaucoma e em 3 e 5 anos perdi totalmente. E desde então, só aqui com grupo de cego eu fiz 4 peças, que nós viajamos o país”, esclareceu. Conforme Santos, ele está fazendo diversos personagens. “É um desafio fazer várias vozes… São frases bem curtas, mas a gente está mudando rapidamente de uma voz para outra. O começo da peça é mais tranquilo e assim, eu nunca fiz personagens que eu tivesse que mudar de voz”, comentou.
Também estão no elenco Monique Lopes Marques, de 23 anos, e Cristiane Tiecher, de 46 anos. Monique é estudante de psicologia e falou sobre essa experiência classificando como única. “Fazer teatro sempre foi um sonho, está sendo incrível. Vai ser algo transformador, levar um pouco das nossas experiências para o público. Isso será único”, comentou. “O público vai estar imerso, poder sentir, usar o olfato, a audição, de poder ter outras experiências além da visão”, apostou. Em sua primeira vez no palco, Monique disse estar confiante. “Foi uma decisão nossa de fazer essa apresentação aqui em Campo Grande, porque todos nós queríamos mostrar para amigos e famílias. Vai ser especial demais fazer essa pré-estreia, porque vamos chegar aquecidos para a estreia lá em Corumbá”, disse.
Cristiane Tiecher é assistente social e devido a isso já fez ações com apresentações semelhantes, mas nunca fez teatro profissional, por isso considera sua estreia. “A gente faz teatro na faculdade, me formei em 2015, mas essa é a primeira peça de teatro profissional, porque lá no curso fizemos só ações esporádicas. Estou bastante ansiosa”, traduziu. Ela contou que a experiência para o público vai ser de uma profundidade inesquecível. “Eu acredito que vai ser inédito para todos que forem assistir, porque eles vão se colocar no lugar das pessoas com deficiência visual mesmo, vão saber as vezes o quanto é difícil estar em algum lugar sem estar vendo, porém, aprenderão a ter a sensibilidade de sentir. Eles vão valorizar mais o sentir após essa peça”, analisou.
*Adersino Junior, SED