Com pagamentos em atraso, recenseadores contratados temporariamente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para a coleta do Censo Demográfico 2022 têm se mobilizado em redes sociais para uma greve nacional a partir do dia 1º de setembro por melhores condições de trabalho. Os trabalhadores vêm se manifestando nas redes sociais oficiais do órgão sobre os problemas enfrentados e convocando outros colegas temporários para a paralisação. Questionado pela reportagem sobre o motivo para o atraso na liberação de pagamentos, o IBGE respondeu que a explicação “é de ordem operacional”. “Não é um problema de caixa”, acrescenta.
“O IBGE tem ciência de uma mobilização de recenseadores”, respondeu o instituto, ao Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado. “O Instituto está comprometido em extinguir os atrasos nos pagamentos a partir de mudanças e simplificações nos processos, que serão divulgadas em breve. O IBGE reafirma o compromisso e a responsabilidade de honrar as suas obrigações em remunerar devidamente todos aqueles que vêm trabalhando na operação censitária”, completou.
O IBGE divulgou um pedido público de desculpas aos recenseadores, em postagem em suas redes sociais na última terça-feira, 23. Na publicação, o instituto reconhece o atraso do pagamento da ajuda de treinamento e de locomoção, e também a demora na liberação do pagamento do trabalho de coleta.
“Agradecemos o empenho e a dedicação de todos os Recenseadores com o #Censo2022 e pedimos desculpas pela demora na liberação do pagamento do trabalho de coleta e transtornos causados pelo atraso do pagamento da ajuda de treinamento e de locomoção. Em breve, informaremos sobre mudanças e ajustes nos processos de pagamento”, diz o texto da postagem do perfil oficial do IBGE no Twitter, Facebook e Instagram.
O órgão garante ainda que está comprometido em reduzir os prazos para os pagamentos. Segundo o instituto, os recursos solicitados até o último dia 18 de agosto para cobrir despesas com locomoção e diárias já foram regularizados, mas ainda há demandas em aberto sobre o ressarcimento da ajuda de custo prometida pelo tempo de treinamento dos temporários, que ocorreu há cerca de um mês.
Em menos de 24 horas, a postagem no Instagram já tinha recebido 1.938 comentários, a maioria com queixas sobre o atraso no pagamento do trabalho e conflito nos valores de remuneração por questionário. A insatisfação gerou mobilização de recenseadores por uma greve nacional até que os pagamentos atrasados sejam colocados em dia. No entanto, os trabalhadores também reivindicam, entre outras pautas, uma maior transparência no cálculo da remuneração por produtividade e maior publicidade e parceria do instituto com governos locais para que os trabalhadores tenham menos dificuldade de serem recebidos pela população em suas casas.
No Instagram, ao menos dois perfis públicos que abordam pautas relacionadas ao Censo, de interesse dos recenseadores, chamavam os seguidores (cerca de 8 mil pessoas até esta quarta-feira, 24) para a mobilização de greve a partir de 1º de setembro.
“A verba prevista, aprovada e garantida no Orçamento da União está disponível. Não é um problema de caixa, é um problema operacional, que exige mudanças e simplificações nos processos, que serão divulgadas em breve”, garantiu o órgão estatístico.
O IBGE acrescentou ainda que não houve mudança no cálculo de remuneração por produtividade. Os valores a serem pagos variam de acordo com o tamanho do questionário e o nível de dificuldade de cada setor censitário, por exemplo. Segundo o instituto, será realizada uma entrevista coletiva de imprensa na próxima semana para divulgação de informações sobre o andamento da coleta, como o número de entrevistas já feitas e quantidade de domicílios recenseados.
Na semana passada, o IBGE informou ao Broadcast ter efetuado 6 550 rescisões de contratos de trabalhadores temporários recrutados para o Censo Demográfico 2022. As desistências dos trabalhadores ocorreram em meio ao atraso de pagamentos, mas também relatos de agressões e hostilidade contra os recenseadores por parte de moradores que deveriam prestar informações para o levantamento censitário.
O órgão informou que as rescisões representavam 4,7% do total de contratados, “número dentro do previsto” e “sem risco para a operação”.
“Cerca de 160 mil recenseadores foram contratados. Hoje, mais 10 mil estão em treinamento”, informou o IBGE ao Broadcast na quarta-feira, 24.
Quanto a possíveis impactos das dificuldades na coleta sobre o cronograma do Censo, o IBGE afirma que o período corrente da operação de campo é de 1º de agosto a 31 de outubro. “O Instituto não especula sobre prorrogação”, declarou.
Os recenseadores estão em campo desde 1º de agosto coletando informações para o Censo Demográfico em todos os cerca de 75 milhões de lares brasileiros, nos 5.570 municípios do País. Esse trabalho começou com um déficit estimado de 15 mil entrevistadores, que o IBGE ainda tentava recrutar para alcançar o número ideal de 183 mil funcionários temporários.
Realizado a cada dez anos, o Censo Demográfico visita todos os domicílios brasileiros. A operação deveria ter ocorrido em 2020, mas foi adiada em decorrência da pandemia. A falta de destinação de verbas pelo governo federal também foi um obstáculo. Em 2021, o orçamento não trouxe os recursos necessários para a condução do Censo, que acabou cancelado novamente, mas desta vez sob uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) de que ocorresse em 2022.
A operação censitária foi orçada inicialmente pela equipe técnica do IBGE em mais de R$ 3 bilhões para ir a campo em 2020. Em meio a pressões do governo pela redução no orçamento, os questionários originais foram enxugados, e a verba encolheu para R$ 2,3 bilhões. No ano de 2021, o valor de apenas R$ 53 milhões no orçamento sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro inviabilizava até os preparativos. Mais tarde, após a decisão do STF, o IBGE conseguiu assegurar uma complementação orçamentária para os trabalhos preparatórios em 2021 e a verba para a coleta em 2022.
O sindicato dos servidores do IBGE defende uma nova complementação orçamentária para assegurar os recursos a uma coleta de qualidade. Em meio a um cenário de inflação pressionada, com elevação de custos de combustíveis, a possibilidade de um novo aporte de recursos chegou a ser defendida pelo diretor de Pesquisas do IBGE, Cimar Azeredo, mas o órgão refutou essa opção posteriormente, afirmando publicamente que as verbas já solicitadas e obtidas no orçamento federal eram suficientes para garantir a operação.
Sobre os casos de agressão e hostilidade relatados por recenseadores, o IBGE informou que as unidades estaduais estão orientadas a encaminhar as ocorrências aos órgãos de segurança e fornecer apoio médico e social ao trabalhador contratado.
“A recomendação do IBGE aos recenseadores é inicialmente registrar em delegacia um boletim de ocorrência e comunicar ao coordenador ou ao supervisor para as providências cabíveis”, informou o instituto, em nota, na semana passada.
O órgão estatístico lembrou ainda que agentes, pesquisadores ou recenseadores são servidores públicos federais e que “crimes contra eles são sujeitos a investigações federais com base no art. 144, §1º, inc. I, da Constituição da República Federativa do Brasil”.
“O mesmo art. 144 se aplica quando alguém se faz passar por agente, recenseador ou pesquisador do IBGE. Em todos os casos, o infrator fica sujeito a penas previstas em lei”, ressaltou o instituto.
No site do IBGE, uma ferramenta possibilita que moradores confirmem se o entrevistador que se apresentou como recenseador é mesmo contratado pelo órgão estatístico. Basta informar o número da matrícula que consta no crachá do entrevistador. Também são aceitos no processo de checagem online os números do CPF ou RG do trabalhador temporário.
*Agência Estado