Heinrich Luitpold Himmler era o nome do homem. Foi talvez o personagem mais poderoso e influente da Alemanha nazista. Na exaustiva historiografia sobre a Segunda Guerra Mundial ele foi o cara que cometeu as maiores atrocidades contra judeus, comunistas e qualquer cidadão ou cidadã (criança, adolescente, jovem ou velho) que fosse visto como inimigo do Reich. Sob o comando direto de Hitler, o general da SS era o símbolo do horror e da banalidade do mal.
Na iminência da derrota alemã, primeiro Himmler traiu o chefe; depois, fugiu e se escondeu, até finalmente ser pego pelas tropas aliadas. No fim, suicidou-se com uma cápsula de cianureto que escondia entre os dentes. Com a sua morte, ficou a dúvida: Hitler havia ordenado aquela matança levada a cabo por Himmler e seus soldados? Hitler sabia do que ocorria nos campos de concentração? Hitler ordenou os massacres impiedosos?
Essas questões permanecem em aberto. O que sabe de concreto é que havia ordens gerais, do tipo: “temos que resolver esse problema, não interessa como”. Por isso, até hoje se discute qual o real papel do poderoso chefão nesta história toda. Os documentos são escassos. As provas concretas são tênues. Muitos documentos foram queimados no bunker de Berlim. Os depoimentos dos sobreviventes que estiveram sob o comando de Himmler e outros generais apenas registram a obediência cega ao comando superior. No julgamento de Nuremberg poucos questionaram as ordens de execução em massa de milhares de pessoas sob qualquer pretexto.
O grande problema é que essas ocorrências e as dúvidas geradas acabaram, de certa maneira, moldando conceitos (disfarçados, lógico) que permanecem vivos até hoje. Por mais que a humanidade fique escandalizada com os horrores do nazismo e a sua “metodologia gerencial” – que pretendiam fazer crer que homens e mulheres podem ser homogeneizados para produzir resultados esperados pelo comando em todos os campos – o tempo cuidou de abrandar (pelo menos entre a maioria) essas reações iniciais à loucura radical que a ideologia produziu. Mesmo assim ainda é possível ver aqui e ali resquícios comportamentais – levados às últimas consequências pelo Reich – nos tempos que correm.
Volta e meia ouvimos alguém reclamar de um nazistóide ocasional numa família, no ambiente de trabalho, nas instituições, nos partidos políticos, enfim, em qualquer lugar em que se identificam atitudes estereotipadas que combinam com a imagem de um soldado alemão cioso de seu uniforme de trabalho, atemorizando todos à sua volta, sugerindo que os indivíduos nada mais são do que um ratinho de laboratório a seu serviço.
É também possível medir o padrão ético e moral de uma pessoa quando ela justifica estar apenas cumprindo ordens superiores de maneira acrítica, sem qualquer reflexão, sem levar em conta a existência de seres humanos com suas idiossincrasias momentâneas. Neste momento, podemos vislumbrar um nazista ocasional a nos assombrar porque sabemos pela experiência histórica que o sujeito que cumpre qualquer ordem banal de maneira cega e diligente pode provocar verdadeiras tragédias humanas.
Os Alemães ficaram tão obcecados com essa herança que criaram no campo jurídico a famosa “teoria do domínio do fato”, que tem sido tão falada agora no julgamento do mensalão. Pegue um sujeito boçal como Delúbio Soares, que diz ter feito o que fez porque apenas cumpria ordens superiores, e imagine se ele fosse um soldado de Himmler comandando um crematório na Polônia. Sacaram?
Por isso, no longo aprendizado que as sociedades abertas tiveram com o nazismo atualmente essa conversa do cumpridor de ordens não convence mais ninguém de sua inocência, mesmo em se tratando de organizações altamente hierarquizadas. Vigora no senso comum do mundo civilizado a existência de regras universais que valorizam o livre-arbítrio e nos indicam quais melhores decisões diante de grandes impasses morais.
Hoje em dia é muito fácil identificar nazistinhas disfarçados de “sujeitos eficientes” em todo e qualquer lugar. Basta o cara falar muito em “planejamento estratégico”, “política de resultados”, “gerência eficiente”, “controle e gestão de pessoal”, “controle de qualidade” etc., e toda essa baboseira management que circula por aí, para que se acenda o sinal amarelo: trata-se, na maioria dos casos, de canalhas morais propensos a chutar as pessoas com seu coturno de sabedoria de almanaque a todo e qualquer instante.
Neste aspecto, acredito que não haja argumento que sustente as posições políticas propaladas por alguns setores do PT em defesa de José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares e tantos outros colocados na escala dos mequetrefes de plantão. O mundo aprende coisas novas todos os dias. E uma das coisas que demonstram a evolução da raça é que, cedo ou tarde, os picaretas são revelados na plenitude de suas verdades mais sórdidas.
Por: Dante Filho – jornalista (dantefilho@terra.com.br)