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O julgamento do mensalão e o sistema penitenciário

A frase do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de que “se fosse para cumprir muitos anos em alguma prisão preferiria morrer” indica com clareza insofismável uma estranha e repentina alteração na sensibilidade das autoridades brasileiras sobre o que ocorre com o sistema penitenciário. E essa mudança, colocada num contexto mais amplo, mostra como está sendo saudável o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal, pois é graças a seus resultados concretos que poderemos agora ter esperança de que o sistema penal do País possa entrar finalmente em rota de transformação profunda nas próximas décadas.

À medida que a punibilidade de crimes antes protegidos por uma vasta teia de interesses garantia que corruptos e corruptores (na maioria dos casos figuras de proa do poder) ficassem protegidos e despreocupados com as decisões judiciais, com o julgamento da ação penal 470 novos paradigmas devem certamente ser adotados, ampliando assim a abrangência do risco de prisão daqueles que jamais imaginaram ser alcançados pelas mãos da Justiça.

Ironicamente, é impossível não concluir que, se figuras poderosas da República podem ocupar por algum tempo uma cela na penitenciária, nada mais lógico a insólita preocupação do Ministro da Justiça com a situação das cadeias do País. No pontual, podemos imaginar que o sentimento é o de solidariedade com aqueles companheiros que o ajudaram na chegada ao poder. No geral, corrobora-se com a ideia sempre propalada de que a melhor maneira de solucionar as degradantes condições de nossas prisões seria a de começar a mandar para elas “pessoas diferenciadas” como são sabidamente os réus do mensalão.

Outra consideração importante que deve ser lembrada: por influência do julgamento do mensalão nossas autoridades parecem que começam a se movimentar em relação à essência de nossas leis penais que, em função de arcaísmos e inadaptabilidades sociais, pune rigorosamente crimes e delinquências corriqueiras – superlotando o sistema penitenciário – enquanto é maleável e “generosa” com os verdadeiros criminosos, aqueles que são sempre protegidos pelos cargos, riqueza ou influência.

Em ambos os aspectos a frase do Ministro José Eduardo Cardozo coloca na pauta do debate as falhas de nosso sistema criminal e toca em pontos que a sociedade deve se conscientizar. Pergunta-se: de que adianta mandar para a cadeia autores de delitos leves quando se sabe que as condições objetivas de nossas prisões transformam em pouco tempo jovens sem perspectiva de futuro em verdadeiros monstros? Ora, se o Sistema Penitenciário foi concebido para recuperar e ressocializar criminosos o que hoje ocorre é exatamente o contrário: as prisões nada mais são do que uma escola de aprimoramento da bandidagem, responsável pela formação de grupos criminosos.

Sem reformular o sistema penitenciário brasileiro não há como se pensar em políticas eficazes de segurança pública. O processo termina autogerando e ampliando a si próprio, sem que haja possibilidade de mitigação ao longo do tempo. Neste aspecto, nada mais correto do que unir esforços entre os poderes para atacar três problemas básicos do setor: aprovar mudanças na legislação penal, reformular os papéis das polícias (criando inclusive uma polícia de fronteira) e modificar a estrutura “medieval” do sistema penitenciário.

Agindo nestas frentes de maneira planejada a sociedade brasileira poderá aspirar soluções para o problema da segurança pública no futuro. Caso contrário, ficaremos manietados à mercê do crime e sacrificando uma geração de brasileiros que poderia estar trabalhando, criando e produzindo em vez de estar se diplomando em escolas de criminalidade espalhadas por todo o País.

 

Por: Abdalla Maksoud Neto – Advogado criminalista

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