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O Brasil condena as vítimas

Autores de revoltantes crimes saem do Tribunal do Júri sob aplausos populares, enquanto as vítimas são esquecidas, se não castigadas e perseguidas.

Há poucos dias, a imprensa carioca, publicou uma notícia procedente de Nova York, informando que “dois adolescentes, de 16 e 18 anos, foram condenados à cadeira elétrica por terem matado, em agosto passado, um jovem de cor, durante uma refrega entre bandos de um bairro popular de Manhattan”. Por caprichosa coincidência, no mesmo dia lia-se nos jornais que Cácio Murilo, co-autor da morte de Aída Cúri, pretendia matricular-se numa escola aeronáutica. Como na sua ficha de antecedentes constava sua participação no monstruoso crime do Edifício Rio Nobre, a matrícula não foi aceita. O advogado de Cácio protestou, alegando que êle agora era maior de idade e o que praticara quando menor não devia ser computado… Que chocante contraste: enquanto nos Estados Unidos garotos da idade de Cácio – que, no ano passado, quando praticaram o crime tinham 15 e 17 anos respectivamente – são condenados à cadeira elétrica, aqui no Brasil, Cácio Murilo, que tem hoje 18 anos, completados a 17 de abril último, não sofre uma pena sequer. Aliás, essa isenção de penas para Cácio Murilo – culpa de um Código de Menores antiquado, desatualizado e superado – foi a grande saída que os advogados de Ronaldo e o porteiro Antônio João encontraram para que o caso da morte de Aída Cúri terminasse como terminou: sem autor. Com a recente absolvição do porteiro, chega-se a esta dolorosa conclusão: ninguém matou a pobre estudante. Ronaldo foi absolvido por um júri arranjado já se sabe como: o porteiro jurou que foi Cácio quem matou a jovem. E Cácio, por ser menor à época do crime, é penalmente irresponsável. Portanto, nenhum dos três matou Aída Cúri. E ainda por cima, os advogados de Ronaldo salpicaram de lama a memória da pobre môça, lançando sôbre ela infâmias e injúrias, procurando macular sua honra com palavras, já que os tarados curradores não o conseguiram pela fôrça. Como se não bastasse, pegaram o porteiro Antônio João, liberto, e o levaram a dar entrevistas radiofônicas por êste País afora, como se êle fôsse uma vedete. Ninguém está levando em conta que o anel de Antônio João ficou marcado no rosto de Aída em conseqüência de uma bofetada que êle lhe aplicou, conforme consta do laudo de exame cadavérico. Mas em Curitiba o brio da mocidade estudantil respondeu à altura ao vedetismo do porteiro: não se conformando com sua presença afrontosa numa estação de rádio local, os universitários curitibanos invadiram a emissora, depredaram-na, e o co-autor do assassinato de Aída teve de sair escoltado pela porta dos fundos. Continua, porém, no ar a pergunta: quem matou a pobre estudante? É possível que no final desta história ela seja acusada de ter tentado violentar Ronaldo, Cácio e o porteiro…

Em Recife, o Padre Hosaná de Siqueira e Silva, assassino confesso do bispo de Garanhuns, Dom Expedito Lopes, foi absolvido pelo Júri 48 horas antes de Caryl Chessman morrer na câmara de gás de San Quentin. Saiu do tribunal sob palmas da assistência. Entretanto, dois dias após, os estudantes da Faculdade Católica de Recife promoveram uma passeata de protesto contra a execução do “bandido da luz vermelha”. Entre o Padre Hosaná e Chessman é difícil dizer-se qual o pior. O embaixador dos EE.UU. no Brasil, Sr. Moors Cabot, em documento amplamente divulgado pela imprensa, definiu bem a questão do sentimentalismo brasileiro no caso Chessman. Disse ele: “Parece-me que a sempre generosa solidariedade e caloroso humanismo que tão bem caracterizam os brasileiros, poderiam ser igualmente dirigidos às vítimas dos crimes revoltantes de Chessman, mais do que a ele. Uma jovem mulher passará a vida mergulhada na loucura, como resultado das revoltantes perversões sexuais de que foi forçada a participar. A vida de uma outra ficará para sempre marcada pela lembrança de uma experiência semelhante. As vítimas dos seus roubos à mão armada saberão que ele, pelo menos, não mais estará solto para atacá-las após renovadas promessas de regeneração, feitas sempre para reincidir naquela série final de crimes mais graves”. Existe, não há dúvida, um contra-senso nas manifestações de parte da opinião pública brasileira: glorificam-se os criminosos e esquecem-se, quando não se acusam, as vítimas. Senão, vejamos o caso do Padre Hosaná, que saiu do júri aplaudido pela platéia, conforme relatório que nos enviaram os repórteres Afonso Ligório e Ivancil Constantino, do velho “Diário de Pernambuco”. Por que o Padre Hosaná matou Dom Expedito Lopes, bispo de Garanhuns? É uma história estonteante. O município inteiro de Quipapá, onde Hosaná era vigário, comentava que ele abrigava sob seu teto uma mulher, Maria José, que depois substituiu por outra, Quitéria, esta mais bonita que a primeira, segundo os comentários da população da cidade. Além disso, o Padre tornara-se um relapso nos seus deveres eclesiásticos, preocupando-se mais com uma fazenda que possuía em município vizinho do que com as missas que devia rezar na igreja de sua paróquia e em capelas vizinhas. O bispo de Garanhuns, sede da diocese, chamou Hosaná e expôs-lhe a gravidade da sua conduta perante o povo católico da região. Ele estava comprometendo o bom nome da Igreja. Dom Expedito deu-lhe 15 dias de prazo para que afastasse de sua casa a mulher que lá vivia. O padre não obedeceu. E no dia em que seria publicado o ato episcopal suspendendo as ordens sacerdotais de Hosaná, que fez o padre-assassino? Dirigiu-se ao Palácio Episcopal de Garanhuns e apertou a campainha da porta O próprio bispo atendeu, e quando dizia “faça o favor de entrar”, Hosaná fulminou-o com 3 tiros de um “Taurus” 32, que tomara emprestado a um conhecido na véspera. Levado para a Casa de Detenção de Recife, Hosaná não se mostrou em absoluto arrependido. Disse a uma irmã de D. Expedito, que o visitara incógnita: “Se o bispo vivesse cem vezes, cem vezes eu o mataria”. Agora, absolvido, esse demônio de batina ameaça “acertar” contas com jornalistas que já fizeram reportagens sobre a hediondez do seu crime e sua personalidade de delinquente. O fotógrafo Jorge Audi e este repórter estão na “lista negra” de Hosaná.

ENQUANTO nós lamentamos a execução de Caryl Chessman, cujo processo não conhecemos, um Carivaldo Salles, ex-inspetor da Alfândega de Corumbá, que metralhou à queima-roupa o Vereador Edu Rocha, do PSD daquela cidade, por ter denunciado publicamente o contrabando de automóveis na fronteira Brasil – Bolívia, continua à solta. Por quê? Porque em Corumbá não houve juiz, entre 5 ou 6, que se animasse a dar andamento ao processo, “por covardia ou por interesses menos confessáveis”, segundo as corajosas palavras do Desembargador Barros do Valle, do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. Em compensação, um dos juízes, que deixara o processo encalhar, iniciou ação contra a viúva de Edu Rocha, porque ela teria distribuído folhetos com as desassombradas palavras do Desembargador Barros do Valle. Mais uma vez, a vítima é castigada e o criminoso recebe o prêmio da impunidade.

 

Por: Arlindo Silva

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