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Limites territoriais. Ladário, ferido na medula viva do ser (Parte III)

Na sequência de artigos destinados a discutir os limites territoriais de Ladário, apresento mais um texto fruto de algumas reflexões sobre este tema apaixonante e desafiador. Apaixonante por envolver nossa identidade, memória coletiva, direito inalienável e imprescritível, desafiador pelo silêncio, uma quase cumplicidade, pelo menos em parte, de nossas autoridades em relação ao tema.

Não há dúvidas sobre nossos limites, cujas balizas naturais foram delimitadas ainda no século XIX, resta, portanto, aos homens do século XXI fazer valer seus direitos, direito à cidadania, educação, saúde, lazer e infraestrutura, a serem proporcionados pelos impostos gerados pela Cimento Itaú, empresas de mineração, propriedades rurais e outros, atualmente recolhidos ao erário municipal da Cidade de Corumbá.

Peço desculpa aos leitores do Perola News, pois o espaço entre a parte II e III foi um pouco longa. Neste período recebi cobrança de alguns amigos, ladarenses da gema, para prosseguir com a linha de raciocínio acerca de nossos limites territoriais, e parte de nosso território açambarcado por Corumbá.

Na evolução política de Ladário, em 11 de dezembro de 1953 por proposição do Deputado Estadual Manoel Wenceslau de Barros Botelho, Ladário foi elevada a condição de município, conforme artigo 1º da Lei679 de 11 de dezembro de 1953, “Fica criado o município de Ladário, desmembrado do municio de Corumbá, com os mesmos limites do atual Distrito de Paz de Ladário”.

Não nos cabe outra pergunta a não ser esta: Quais eram os limites do Distrito de Paz de Ladário?Esta indagação é parte da memória coletiva da cidade, por se constituir na grande aporia envolvendo os limites de Ladário. A palavra aporia, vem do grego Ἀπορία, significando caminho sem saída, impasse, dúvida, incerteza, impedindo que o sentido de uma proposição seja determinado. Para Aristóteles, filósofo grego, aporia é definida como igualdade de conclusões contraditórias, existência de idéias incoerentes e plausíveis a alcançarem conclusões contraditórias. Quais conclusões contraditórias envolvendo Ladário e Corumbá? Ao final destasérie de artigos, pelo menos em parte, esta aporia será dissipada.

Ladário foi instalada em 17 de março de 1954, com a conclusão contraditória sobre seus limites, fixada arbitrariamente por balizas não naturais[1], nas proximidades da Cinco Bacia e do Hotel Gold Fish. Contraditórias por não considerar os limites do Distrito de Paz, pelos quais a Companhia Cimento Itaú e as Minas do Urucum deveriam pertencer a Ladário.

Para o Pós-Estruturalismo[2], conceito utilizado por autores desconstrutivistas como  Michel Foucault, Jacques Derrida e Gilles Deleuze, a aporia ao desconstruir o texto, neste caso a verdade contraditória para Corumbá sobre seus limites, deverá mostrar sua imprecisão. Para Foucault, a verdade no discurso mascara uma vontade de verdade como fruto do saber e do poder, são estratégias do poder para seus efeitos de verdade(FOUCAULT, 1979). Para Corumbá os efeitos de verdade são seus limites, estabelecidos com base na força saber/poder.

Como descontruir os efeitos de verdade para Corumbá sobre seus direitos a Cimento Itaú e Minas do Urucum? Nossa proposição na resolução desta aporia é o único caminho possível: os tribunais. Neste caminho os dirigentes municipais de Ladário – Prefeito Municipal, Câmara Municipal e Advocacia Geral do Município, deverão perder a ternura e talvez até a amizade para “avançar no progresso do município”[3]. Para avançar nesta caminhada, consolidação de nossos limites territoriais, precisamos do homem único na hora única[4], a responderadsumusda cadeira do Palácio das Garças.

O intercâmbio entre Corumbá e Ladário – Vila e Freguesia – não humanizou a relação entre ambas, como sugere o Geógrafo Antonio Carlos Robert Moraes, referindo-se as formas de sociabilidade entre sociedade e espaço[5].O espaço denominado Ladário sempre foi para Corumbá apenas um retiro de pescadores. Em 1881 Ladário era retratado nos documentos oficiais como Distrito de Corumbá.

A Lei Estadual 590 de 30 de agosto de 1881, aprovada pela Assembléia Legislativa Provincial de Mato Grosso, autorizou a criação de uma Cadeira de Instrução Primária de ambos os sexos na Povoação do Ladário, Distrito da Cidade de Santa Cruz de Corumbá. Em 1896, através da Lei 134 de 16 de março, Ladário foi elevada à condição de Freguesia de Corumbá. No artigo único do Parágrafo 2º da referida Lei, ficou estabelecido os limites da nova Freguesia, “Enquanto não forem alterados por lei, vigorarão os limites da nova freguesia os mesmos do Distrito Policial.

No Período Regencial o Código de Processo Criminal foi aprovado em 29 de novembro de 1832 e a justiça foi organizada em Distritos de Paz, Termos e Comarcas, de acordo com a população e aprovação legislativa. Criados pelas Câmaras Municipais os Distritos de Paz deveriam ter pelo menos 75 casas habitadas.Em relação às casas construídas em Ladário, João Severiano da Fonseca, da Comissão de Limites, em 1876 anotou “[…] O Ladário converteu-se também numa florescentíssima povoação, com cerca de três mil almas, várias ruas e boa casaria” (FONSECA, 1880, p. 299)[6]. João Severiano passou por Ladário apenas três anos após a transferência do Arsenal de Marinha de Cuiabá para Ladário, em 1873, quando já existiam dezenas de moradias para os operários e militares do arsenal, arruamento das principais artérias da cidade e uma estrada para Corumbá.

Ainda sobre as casas construídas e em construção em Ladário, no ano de 1879 o Capitão Miguel Paes de Barros, da Coletoria de Corumbá, responsável por informações estatísticas de Mato Grosso, enviou relatório a Francisco Antônio Pimenta Bueno sobre estas moradias. Neste relatório pontuou existirem em Corumbá 455 casas cobertas de telha, 51 cobertas de zincoe 34 em construção e em Ladário 251 casas cobertas de telha, 29 cobertas de zinco e 50 em construção[7]. Neste sentido Ladário cumpria os requisitos legais para se tornar Distrito de Paz.

Assim, permaneceu como Distrito de Paz até sua emancipação em 1953 e instalação em 17 de março de 1954.

Na parte IV desta série de artigos, faremos pequenos apontamentos sobre a evolução territorial do Brasil até a emancipação de Ladário sem alteração de seus limites “Do Córrego do Gonçalo, até sua foz, no Rio Paraguai; Este Rio abaixo, até a Morraria do Rabicho e esta mesma moraria até encontrar, ao Sul, a Morraria de Corumbá, seguindo esta até defrontar o ponto de partida”.

Estes são nossos limites.

Somos nós o povo ladarense.

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[1]Conceito de balizas naturais já discutidos no artigo anterior (Parte I e II).

[2]Filosofia contemporânea com expoentes em Michel Foucault e Jacques Derrida, onde propõe uma ruptura com os princípios do estruturalismo, recusando fundamentos tradicionais da filosofia, como verdade, objetividade e razão. No caso em tela, a ruptura é com a memória coletiva de Corumbá de que seus limites serpenteiam e desembocam nas proximidades da Cinco Bacia e Hotel Gold Fish.

[3] Entrevista do Prefeito Municipal, Carlos AnibalRusoPedrozo, a Capital do Pantanal, conforme citado na Parte I

[4]Nesta série de artigos parafraseando Jaime Cortesão, respeitosamente chamo o prefeito de homem único na hora única, a quem os ladarenses depositam sua única esperança no homem único – Prefeito Municipal.

[5]MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia históricado Brasil: capitalismo, território e periferia. São Paulo: Annablume, 2011, p. 17

[6]FONSECA, João Severiano. Viagem ao redor do Brasil (1875-1878). Rio de Janeiro: Typ. de Pinheiro. 1880/81. 2 v.

[7] CORRÊA, Lucia Salsa. Corumbá: O Comércio e o Casario do Porto (1870-1920). In: Casario do Porto de Corumbá. Campo Grande: Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, 1985.

 

Por: Saulo Alvaro de Mello
Mestre em História/UFGD

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