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Ao vencedor as batatas

Não quero ser totalmente machadiano, mas a política está assaz preocupante nestes tempos em que a democracia transformou-se num jogo de ilusões, no qual a sensação está valendo mais do que a razão, a imagem vale mais do que as palavras e a forma (o design) tem mais valor do que o conteúdo. O resultado é esse que estamos vendo: a boçalidade está vencendo todas, embora haja as exceções para que se confirme a regra.

Sei que a decisão da maioria prevalece. Respeito isso. Sei também que a formação da vontade coletiva demanda um imenso trabalho de convencimento dos eleitores, clientes e consumidores. Não nego essa verdade. É muito complicado fazer com que se materializem sentimentos e impressões dispersas em voto concreto ou escolha consistente.

Por isso, o processo eleitoral torna-se o momento da expressão simbólica de desejos que habitam nosso inconsciente e são, consequentemente, transformados em números para que possamos compreender o que a camada subjetiva de nossa vontade está determinando objetivamente que se faça no plano das instituições.

Acredito que se dependesse da vontade individual e não existisse voto obrigatório uma quantidade expressiva de eleitores não se disporia a sair de casa num domingo para fazer escolhas que cada vez mais parecem ser inútil. Sou daqueles que acredito que a democracia só mobiliza verdadeiramente seres humanos quando ela corre perigo. Por isso, considero fundamental a existência de ditadores, fundamentalistas e gente maluca que sonha em destruir o “sistema”. Eles estão sempre à espreita nos forçando a defender um regime que não pode ser o melhor do mundo, mas certamente é o menos pior que já podemos inventar.

Na cultura de massas a configuração de maiorias pode resultar em escolhas de aventureiros, cujo talento para iludir cresce na proporção em que nasce um idiota por minuto. Num País extremamente desigual como o Brasil muitas vezes o processo eleitoral reflete as demandas ilusória de pessoas que transitam impunemente entre a ignorância e a inocência. Por mais que alguns insistam corretamente que há que se investir em educação para “despertar” o povão da letargia em que se encontra, parece que a pobreza entre nós tornou-se tão resistente que quem sabe nos próximos 200 anos ainda muitos estarão discutindo esse mesmo assunto, com o mesmo furor indignado.

Quem teve o prazer de ler “Política” de Aristóteles (escrito há mais de 300 anos antes da era cristã) terá um vislumbre sobre os defeitos e vantagens da democracia de nosso tempo, mesmo porque a obra é atualíssima quando revela que nos embates sobre o poder emerge o melhor e o pior dos seres humanos.

A vantagem desse livro é que ele pode ser lido como uma grande reportagem, mesmo porque Aristóteles foi um sujeito detalhista e cuidadoso para descrever as mais variadas formas de democracia em quase uma centena de cidades-estados da Grécia antiga, relatando os embates eleitorais, a compra de votos, as intrigas e baixarias das disputas, as taras e as conspirações palacianas, enfim, tudo aquilo que vivenciamos nestes dias loucos que correm, com as variações de praxe.

Vejo que hoje há uma rejeição quase que atávica à política e aos políticos, algo que, historicamente, não é nenhuma novidade. O fascismo e o nazismo tiveram na sua gênese esse tipo de postura. A ojeriza àquilo que denominamos de mundo político gera monstros. Uma das explicações mais simples é que não suportamos o olhar público sobre os nossos defeitos privados.

Por mais que as campanhas políticas sejam enfeitadas pelo marketing e publicidade sabemos na leitura do subtexto que aquela não é a realidade, que tudo se trata de jogo ilusório, que todos prometem soluções coletivas embora acabem cedendo aos interesses particulares, ou seja, que vencer um processo eleitoral não é o fim de nada, apenas o começo de uma dura jornada que não acaba nunca, pois os homens são insaciáveis quando lutam por um lugar ao sol.

Notem que depois de uma eleição começa a próxima. E depois a próxima. E assim existem pessoas imaginando as disputas que se sucederão nos próximos 20 anos. É impressionante: tem gente que olha para uma criancinha hoje e afirma: “esse será o nosso futuro governador!”. É mole?

 

Por: Dante Filho – Jornalista (dantefilho@terra.com.br)

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