A fronteira, historicamente, sempre foi uma região de difícil controle, seja em qualquer lugar ou país. Pois é. Ela também não podia ser diferente na região oeste brasileira, na antiga fronteira mato-grossense, hoje sul-mato-grossense. Depois da guerra com o Paraguai e por várias décadas do século XX, a fronteira foi caracterizada como uma terra de ninguém, onde segundo os documentos históricos, era o lugar onde imperava a lei 44. Ou, melhor dizendo, era a lei do revolver calibre 44.
Esta situação marcou o cotidiano da região lindeira com o Paraguai, guaranizada e sem a presença efetiva das agências de controle brasileiras. Com isso sofria a população, vítima de violências diversas, assassinatos, torturas, estupros, roubos e contrabandos. Ainda hoje, apesar da presença dos órgãos de repressão do estado, persistem na região assassinatos, contrabandos e agora esta situação aflitiva é acrescida do pernicioso tráfico de drogas e de armas. Neste ponto, o Brasil continua ainda muito vulnerável.
Do lado boliviano, a fronteira teve uma história diferente da região sul. O fato de não ocorrer uma guerra de fronteira, não criou um clima de migração e violência tão propícias ao desenvolvimento da bandidagem, no caso, na região pantaneira. É claro que existiu criminalidade de modo geral, e crimes pontuais, mas sem influências históricas diretas com a proximidade da região boliviana. Pelo menos é o que retratam os documentos históricos e registros policiais desta região.
Contudo, alguns crimes de fronteira, pelos seus significados e singularidades, extrapolaram os limites do município de Corumbá. Em 1927, por exemplo, foi assassinado a tiros, no centro da cidade, o juiz de direito Barnabé Antonio Godim pelo político e fazendeiro Antonio Joaquim Malheiros que, após uma fuga cinematográfica, foi preso no Paraguai. Esta notícia chegou a ser publicada no jornal Diário da Noite, de S. Paulo, na coluna do jovem jornalista e estudante de direito, o corumbaense Gabriel Vandoni de Barros (Gabi). Na década de 60, outro crime teve grande repercussão, especialmente pelas notícias publicadas na revista O Cruzeiro, do Rio de Janeiro. Referia-se ao famoso contrabando de Cadilacs que entravam livremente no Brasil pela fronteira boliviana. A denúncia deste descaminho foi feita pelo então vereador Edu Rocha, que acabou sendo metralhado na porta da Câmara Municipal e cujo assassino permaneceu impune. No dia seguinte, vários Cadilacs apareceram boiando nas mansas águas do rio Paraguai. Nunca foi feita justiça neste caso e, para amenizar consciências, foi dado o nome do vereador a uma rua de Corumbá, nada restando à sua família a não ser a dor da perda e o trauma que persiste até hoje.
Hoje, a trajetória do contrabando de automóveis percorre o inverso dos belos e saudosos Cadilacs. O mais comum é o desvio de carros roubados em território brasileiro, que são levados à Bolívia e trocados por cocaína. É um crime perverso que vem infelicitando e prejudicando brasileiros. E, numa clara demonstração de incompetência, o nosso governo não consegue evitar este fluxo criminoso. A demonstração pública da nossa incompetente e capenga diplomacia reside no fato do governo boliviano aprovar uma lei que permitiu, dentro de um prazo curto, legalizar os carros (roubados) sem documentos que circulavam na Bolívia. Isso significou uma afronta para o Brasil com a legalização desta atividade criminosa, incentivando o tráfico de carros roubados. Segundo dizem, as autoridades bolivianas ficaram surpresas (é mesmo?) com a inscrição de mais de 128 mil carros para serem beneficiados por esta lei que tornou regular e aceitável a posse ilegal e criminosa de carros clandestinamente introduzidos em seu território, roubados no Brasil e comprados a preço de banana.
Difícil é acreditar que as autoridades bolivianas nada sabiam a respeito dessas trambicagens. Para disfarçar a situação, os carros que não conseguiram a sua legalização foram devolvidos ao Brasil. Sabe-se lá em que estado de conservação…. Bonzinhos esses nossos parceiros!
Enquanto isso, o governo brasileiro continua a praticar sua benevolente política diplomática com os vizinhos, apoiando e emprestando dinheiro a governos latino-americanos, incluindo a Bolívia. Diga-se de passagem, empréstimos e acordos que jamais serão pagos e honrados. Por sua vez, incautos proprietários de carros roubados no Brasil, muitos deles financiados em longas prestações e sem cobertura do seguro, ficaram a ver navios… E do governo brasileiro, apenas palavras tímidas de protesto contra a descarada lei do governo vizinho.
Por: Valmir Batista Corrêa