A grande noite do Arraial do Banho de São João movimentou toda a cidade de Corumbá. Uma multidão passou pelo Porto Geral, às margens do Rio Paraguai, ponto central da festa marcada pela tradição do banho da imagem do santo nas águas do mais importante rio da bacia pantaneira. Estima-se que, durante toda a noite, mais de 40 mil pessoas tenham passado pelo circuito da festa que, este ano, foi montada na Ladeira Cunha e Cruz e toda a extensão da Manoel Cavassa.
A noite teve de tudo. Pagamento de promessas por graças alcançadas; mocinhas e rapazes (idosos e crianças também) passado por baixo do andor para um casamento feliz; içamento do mastro de São João; apresentações de quadrilhas; praça de alimentação com muita comida e bebida, além de shows musicais, com destaque para o Bloco Brasil.
O primeiro andor a passar pelo Porto Geral foi do festeiro Weter Silva Mônaco. As 18h20 ele e seu grupo desceu a Ladeira Cunha e Cruz para banhar a imagem do santo nas águas do Rio Paraguai, ato seguido por outros festeiros durante mais de seis horas.
Um dos destaques da festa foi o andor da Universidade da Melhor Idade da UCDB, de Campo Grande. O grupo, formado por 38 pessoas, grande maioria com idade acima de 60 anos, se reuniu antes na Praça da República e desceu a Ladeira com muita animação.
“O grupo já participa da festa há 12 anos, mas esta é a primeira vez que eu venho e não será a última”, dizia Manoela Rodrigues da Veiga, 80 anos, esbanjando alegria. “Estou gostando muito, é uma festa animada e contagiante”, completou.
Na descida, o tradicional cumprimento de quem estava subindo, festeiros que retornavam do ‘banho’ e seguiam para suas casas, onde a festa continuou. A psicóloga Glaice Freitas, natural de Corumbá, acompanhava o grupo. Foi ela a primeira entrar na água para banhar o santo. “Eles amam isto aqui. Adoram vir para Corumbá e participar do São João”, confidenciou.
Graças alcançadas
Grande parte dos festeiros aproveitou o dia para celebrar graças alcançadas. Foi o caso de Marilza da Silva que carregava um andor que chamou a atenção de quem estava no Porto Geral. Com apenas 15 centímetros de altura, ele é considerado o menor que se tem notícias. Foi confeccionado pelo artista plástico Jesus Monteiro Mercado que faleceu em 2008.
Desde então, ele está com da festeira Maria José Pereira Vilalva. “É minúsculo, mas de uma dimensão estrondosa”, comentou, antes de testemunhar a graça alcançada por Marilza. “Ela atravessou um momento difícil no ano passado e fez um pedido a São João. Hoje está aqui, participando da festa”, disse. Marilza confidenciou que em maio, ela conseguiu comprar uma casa própria, o que parecia impossível em dezembro, quando fez o pedido a São João.
O ponto alto foi, sem dúvida alguma, o ato de banhar o santo nas águas do Rio Paraguai, momentos em que as ladainhas dão lugar ao batuque, que lembra carnaval, e as pessoas pulam de alegria segurando a vela acesa, descendo o piso de paralelepípedos da Ladeira Cunha e Cruz.
Ritual
A fé e a curiosidade atraíram milhares de pessoas à beira do rio. O ritual do “batismo” de São João tem influências portuguesas. Organizado pelas comunidades, com o passar do tempo incorporou o cururu e siriri, ritmo e dança presentes às festas indígenas e africanas.
E são os festeiros os principais responsáveis pelo espetáculo. Eles mantêm viva a maior e mais autêntica festa junina do Brasil Central. Este ano, a Prefeitura cadastrou 89 festeiros do Banho de São João como agentes de preservação cultural. São eles que organizam o ritual. São, na maioria, famílias pobres, que cultuam o santo geralmente por uma graça alcançada.
Segundo historiadores, a tradição do Banho de São João foi introduzida na região por volta de 1882. O ato de levar a imagem do santo em procissão ao Porto-Geral, uma das referências históricas da cidade, é movido pelas crendices, superstições e fortes emoções. Dizem os mais antigos que o banho renova as forças do santo e abençoa tudo o que se relaciona água com o homem.
A louvação ao santo tem dois momentos marcantes, durante a procissão pelas ruas da cidade. Ouve-se primeiro a ladainha: “Deus te salve João/Batista sagrado/O teu nascimento/Nos tem alegrado”. Logo, a banda imprime um ritmo carnavalesco e o povo pula de alegria, cantando: “Se São João soubesse que hoje era o seu dia/ Descia do céu à terra/Com prazer e alegria”.
Durante o banho, o povo entra na água, toca a imagem, se percebe a religiosidade dominante. Aos gritos de “Viva São João”, escuta-se batuque da umbanda na beira do rio, anunciando a presença de entidades num grande terreiro. Os pagadores de promessas se ajoelham com emoção e fé fervorosa. O andor retorna para a casa do festeiro, subindo a Ladeira, onde é tradição cumprimentar quem desce, até a madrugada do dia 24.
Entre as mais conhecidas superstições juninas, estão as relativas a casamento. Diz a lenda que mocinhas precisam passar por baixo do andor do santo durante o trajeto, para encontrarem o futuro esposo antes do próximo festejo. E o que se viu ontem, foram filas. Não só de mocinhas, mas também de mocinhos que entraram no clima da festa.
Por: Da Redação