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O homem único na hora única e os limites territoriais de Ladário. A segunda emancipação (Parte II)

 

Retomando alguns pontos mal elucidados e imprecisos  na parte I deste artigo, cabe desfazê-los. Na disputa entre as autoridades civis e militares pela escolha do local para instalação do Arsenal de Marinha de Ladário, os Presidentes da Província de Mato Grosso Francisco José Cardoso Junior e José de Miranda da Silva Reis, preferiam sua instalação em Corumbá, na Baía dos Tamengos ou na Ponta do Castilho.

Cardoso Júnior era taxativo quanto à preferência por Corumbá em detrimento a Ladário, Corumbá é o único ponto mais adaptado para a fundação do arsenal de Marinha […] Corumbá exerce sobre todos perfeita superioridade. […] a preferência de Ladário não assenta em razão alguma de conveniência pública. […] No Ladário, nada existe; tudo ali é preciso fazer. É mister construir o Arsenal e resguardá-lo. Seja qual for vantagem que se depare no Ladário, essa vantagem também oferece o ponto de Corumbá. Aqui [Corumbá] todas as condições são favoráveis ao fim que se leva em mira, ali [Ladário] nem todas se acham reunidas “ [1]. Não resta dúvida quanto a preferência por Corumbá.

Cometi uma incorreção, da qual peço desculpa ao leitor. Citei que a Lei de número 155 deu origem ao município de Ladário, não foi bem assim. O Deputado Estadual Manoel Wenceslaude Barros Botelho, apresentou Projeto de Lei n. 155 propondo a emancipação político-administrativa de Ladário e seu desmembramento de Corumbá. Tal projeto foi aprovado e convertido na Lei 679 de 11 de dezembro de 1953. Ladário foi instalado em 17 de março de 1954.

Feitas as considerações que julguei oportunas, retomo a pergunta feita na Parte I. A brilhante contribuição de Jaime Cortesão para a Historiografia Brasileira acerca do Tratado de Madri, habilmente negociado por Alexandre de Gusmão, em parte, nos ajuda a compreender a polêmica envolvendo Ladário e Corumbá e o direito dos ladarenses em requerer reparação.

No processo que envolveu a criação do Município de Ladário e seu desmembramento de Corumbá, o Projeto de Lei 155 por conveniências políticas, não obedeceu à expressão latina on plus ultr[2], (limites que não se pode passar). Em relação à Ladário o que não se podia passar? O Córrego do Gonçalo, limite natural e inalienável do município em relação a Corumbá, considerado um enclave da Cidade Branca.

O que o trabalho de Cortesão, com base nas negociações do Tratado de Madri magistralmente negociado por Alexandre de Gusmão, tem a ver com os limites territoriais da Cidade de Ladário? As balizas naturais como fronteiras espaciais entre dois entes conflitantes, neste caso Ladário e Corumbá.

Alexandre de Gusmão deu um novo fundamento as questões de limites ao traçá-los com base nas divisões naturais, córregos, vertentes e rios “Assim quando o rio se combina com os desníveis bruscos do terreno, formando grandes saltos e cachoeiras; o rio com o pântano, alargando-se ainda de rios encachoeirados e triplicando a força isoladora, a combinação desses elementos geográficos, pode transformar débeis limites, quando considerados um a um, sólidas barreiras naturais tornadas em conjunto[3]. O Córrego do Gonçalo e as morrarias do Urucm formam um conjunto perfeito de balizas naturais entre Ladário e Corumbá.

Ao desnudar o processo de demarcação que resultou nas fronteiras do Brasil vários ensinamentos de Cortesão não foram seguidos no estabelecimento dos limites territoriais de Ladário. Ora, se serviram na fixação dos limites territoriais do Brasil, podem muito bem serem aplicados na fixação de outros limites entre os entes federativos. Resta saber se são convenientes ou não do ponto de vista político, eivado de fisiologismo.

A Lei 679 de 11 de dezembro de 1953 ao criar o Município de Ladário não respeitou seus limites naturais – Córrego do Gonçalo. Onde fica este córrego?  No subsolo do Quartel do Corpo de Bombeiros Militar em Corumbá. Estes são parte de nossos limites.

O meritoso Alexandre de Gusmão transformou vaga intuição em conhecimento exato, fundando uma política em razões geográficas e humanas. O Deputado Manoel Wenceslaude Barros Botelho, fundou seu projeto, ignorando as razões históricas, geográficas e humanas, numa prática antiga e danosa as instituições e ao povo – o fisiologismo. As razões do deputado se fundaram apenas no viés econômico e nos impostos gerados pela Cimento Itaú e empresas de mineração, óbvio que o nobre deputado estava defendendo os interesses de Corumbá. Cabe o nós defender os interesses de Ladário e não Wenceslau de Barros. Cabe ao atual prefeito, ser o homem único na hora única, a semelhança de Alexandre de Gusmão. O povo ladarense se faz presente, mesmo para perder a ternura, ad sumus, aqui estamos, para defender nossos interesses.

No caso em tela, para os ladarenses não é apenas uma intuição, mas uma realidade, o Córrego do Gonçalo é o divisor de águas entre a Pérola do Pantanal[4] e a Cidade Branca. Ladário era e continua sendo uma unidade geográfica, econômica e política, a semelhança da Ilha Brasil defendida por Gusmão. A estratégia de Gusmão era converter rios e vertentes em fronteiras[5].

O Tratado de Madri estabeleceu nossos limites em dois pilares: uti possidetis e balizas naturais, onde rios e vertentes serviriam para estender nossos domínios. O Córrego do Gonçalo são as nossas vertentes.

Os limites do Brasil foram estabelecidos com base nas balizas naturais, rios por excelência. Cadê o rio que separa Ladário de Corumbá? Talvez o Wenceslau tomado de imenso apetite a La Pantagruel, tenha bebido toda a água. Ou será que os ardilosos fizeram-no desaparecer sobre o Quartel do Corpo de Bombeiros, ou ainda, as águas do Córrego do Gonçalo tenham se misturado ao cimento e concretado parte de nossos limites, pois o que estava em disputa à época era a Cimento Itaú e as Morrarias do Urucum com suas jazidas de Minério de Ferro e Mangânes. Concretou nosso limites, mas não nossa esperança.

Através da famigerada Lei nº 155, de sua autoria, o Deputado Estadual Manoel Wenceslaude Barros Botelho apresentou projeto de lei criando o município de Ladário e estabelecendo ao arrepio da prática histórica sedimentada pelo Tratado de Madri (balizas naturais) e sem respeitar o desejo do Povo Ladarense, nossos limites. Talvez Wenceslau de Barros seguisse o conselho de D. João VI dado a D. Pedro tome tu a coroa antes que um aventureiro a faça. A emancipação de Ladário era um processo inevitável, os ladarenses mais dia ou menos dia sairiam às ruas e tomariam a Rua do Portão[6] exigindo sua separação em relação a Corumbá e com a emancipação exigida pelo povo, também se exigiria o Córrego do Gonçalo, sem o clamor popular, Wenceslau propôs e aprovou limites que nunca foram os de Ladário.

Para o Geógrafo Antonio Carlos Robert Moraes “[…] a relação de uma sociedade específica com seu espaço, num intercâmbio contínuo que humaniza essa localidade, materializando sincronicamente as formas de sociabilidade reinantes numa paisagem e numa estrutura territorial” [7]. O Município de Corumbá nunca exerceu um intercâmbio humanizado com sua Freguesia – Ladário, tratando-a como um simples Retiro de Pescadores. Esta relação será tratada na parte III deste artigo – Ladário ferido na medula viva do ser, parafraseando Jaime Cortesão. (continua).


[1] Ofício do Presidente da Província de Mato Grosso, Francisco José Cardoso Junior, ao Ministro da Marinha, Joaquim Delfino Ribeiro da Luz. APMT. Cuiabá, 12 julho de 1872. Livro 277. Registro de Correspondência da Província com o Ministério dos Negócios da Marinha (1872-1894). p. 8-9.

[2] CORTESÃO, Jaime. O Tratado de Madri. Senado Federal, Brasília, 2001, V. II, p, 148.

[3] CORTESÃO, Jaime. O Tratado de Madri. Senado Federal, Brasília, 2001, V. II, p, 381.

[4] Ladário é conhecida como Pérola do Pantanal, talvez nossos jovens s e alunos não saibam sua procedência? Fica a pergunta. Por que Ladário é chamada de Pérola do Pantanal? Na parte III tecerei alguns comentários.

[5] CORTESÃO, Jaime. História do Brasil nos velhos mapas.  Tomo I e II, Lisboa. Imprensa Nacional. Casa da Moeda, 2009, p. 263.

[6] Atual Avenida 14 de março.

[7] MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia histórica do Brasil: capitalismo, território e periferia. São Paulo: Annablume, 2011, p. 17

 

Por: Saulo Alvaro de Mello
Mestre em História/UFGD