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Manoel da Guató: sempre na memória e no coração!

 

Quinta-feira, 20 de dezembro. Um dia depois de celebrarmos a longevidade do Poeta Manoel de Barros, chega-nos a consternadora notícia do falecimento do Amigo, Irmão e Camarada Manoel Sebastião da Costa Lima, o querido Manoel da Guató, depois de ter resistido heroicamente por exatos 60 dias a um acidente vascular cerebral que o imobilizara num leito de hospital. Dois dias antes da fatídica notícia, o filho Paulo dera a alentadora notícia de que o guerreiro obtivera alta e finalmente retornava para casa.

Descendente de tradicionais personagens da história de Campo Grande que emprestaram seus nomes a importantes vias da capital de Mato Grosso do Sul (Manoel da Costa Lima e Sebastião Lima, avô e tio-avô), o querido Manoel Sebastião – como preferia ser chamado na idade madura – era agrônomo e bacharel em direito, mas sobretudo um livre-pensador e cidadão do mundo incorrigível, convicto e convincente, que nunca se arrependeu de ter abraçado o marxismo desde a juventude, ainda no tempo de sua militância católica na Juventude Universitária Católica (JUC), no Rio de Janeiro, nos idos da década de 1960.

Não foi apenas um socialista. Viveu e praticou, sem arrependimento, o socialismo a partir de sua própria casa – como se fosse sua religião. A despeito de ser extremamente respeitador das diferentes denominações religiosas (tinha amigos dos mais variados credos, etnias, classes e convicções políticas, como verdadeiro democrata que era), até por conta de seu proceder coerentemente dialético, declarava-se agnóstico, sem qualquer constrangimento. E ao contrário de muitos socialistas que se envergonham de seu passado comunista, ele fazia questão de declamar os versos atribuídos a outro grande Camarada que partiu semanas atrás, o célebre Oscar Niemeyer “Enquanto houver uma criança morrendo de fome na face da Terra, tenho obrigação e orgulho de ser socialista.”

O carinhoso nome “Manoel da Guató” foi ganho por haver fundado, no início da década de 1980, a emblemática Livraria Guató (quando ainda a etnia era oficialmente dada por extinta, antes do reconhecimento da luta da querida e agora saudosa Dona Josefina Ferreira, falecida em maio deste ano sem ter recebido qualquer homenagem, ainda que póstuma), talvez a única livraria no Centro-Oeste brasileiro de títulos marxistas, corajosamente montada por ele em plena ditadura. Aliás, em sua derradeira visita a Corumbá, em 2011, fez questão de descobrir o endereço de nosso incansável Anísio Guató (sobrinho-neto de Dona Josefina) para conhecê-lo pessoalmente e dizer de sua admiração pelo povo Guató, de cuja etnia tomara emprestado o nome para a sua livraria.

Dono de uma biblioteca invejável (perdão, “zelador”, pois era avesso à propriedade privada), o querido e agora saudoso Manoel tinha uma vasta cultura, fruto da leitura disciplinada e metódica que mantinha por décadas a fio, nas primeiras horas do dia, antes do alvorecer. Íntegro, reto, correto, autêntico, verdadeiro, generoso, solidário e, sobretudo, humilde. Assim era o terno e eterno Companheiro da querida Joana e Pai do Paulo e do Júnior, que têm em seu âmago a fibra e a candura deste insaciável paladino da verdade sem eufemismo, do inesgotável amor socialista e da insofismável justiça histórica.

Sem margem a erros, ele foi sinônimo vivo da solidariedade. Na década de 1980, quando tive o prazer de conhecê-lo, havia sido fiador da histórica Casa Sindical que abrigara a primeira sede de cinco sindicatos, entre os quais o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Mato Grosso do Sul, na Rua Saldanha Marinho, no Bairro Amambaí, em Campo Grande. Isso por conta de sua solidariedade à luta dos explorados – por meio do saudoso Camarada José Rodrigues dos Santos, velho militante comunista que fundara na capital do estado o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campo Grande. Depois de sua experiência com a Livraria Guató, viva preocupado com as duas funcionárias que ficaram desempregadas pelo fechamento de sua firma. Igual preocupação com as pessoas amigas: nosso encontro derradeiro em Campo Grande ocorreu num apartamento de hospital, em setembro, quando minha filha de dois anos esteve internada por alguns dias – pois ele esteve praticamente todos os dias, prestando toda forma de apoio, inclusive cantando versos do poeta cubano Nicolás Guillén para a Sofia e o Omar, num raro momento em que os dois estiveram juntos com ele. Não posso esquecer que, no dia que não pôde ir por haver tido uma crise de diverticulose, delegou ao filho Paulo que fosse cheio de pacotes para ajudar na melhora de nossa pequena – coisas do querido Manoel.

É bem verdade que o querido Camarada se foi – mas no exercício da sagrada luta pela vida que sempre empreendeu e defendeu com coerência, dignidade e altivez –, não podendo deixar concluída a tarefa que lhe coube (e a todos nós, por tabela), de deixar uma sociedade mais fraterna, solidária e livre do jugo e da opressão, pela qual dedicara os melhores dias de sua vida. Caberá aos verdadeiramente Camaradas, ou Companheiro(a)s, essa inesgotável conta a acertar com as futuras gerações, das quais, por certo, nosso agora pranteado Manoel será guia, orientador, tal qual o foi em sua incansável passagem por esta terra de injustiças e infâmias, contra as quais sempre se rebelou.

Até sempre, querido Amigo, Irmão e Camarada! Que, no dizer do eterno Chaplin, a utopia que nos acalentou renasça em outros corações, e que a chama libertária não se apague, jamais!

 

Por: Schabib Hany