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Gênese do Arsenal de Marinha de Ladário. Rolim de Moura e a Flotilha de Canoas Artilhadas (Parte I)

 

Um dos eventos mais significativos para a História de Ladário e Corumbá parte de um fascinante caso de fronteira (QUEIROZ, 2003) e do processo de ocupação e povoamento do Extremo Oeste da Província de Mato Grosso, foi inegavelmente a Fundação do Arsenal de Marinha de Ladário. As construções navais para o novo arsenal tirou a Cidade de Ladário do manto de esquecimento a que estava submetida e projetou-a como sede de importante Base Naval. O primeiro arruamento entre as Ruas Fernandes Vieira e Couto Magalhães, com destaque para a via de acesso a Corumbá (Antiga Rua do Portão) construída neste período e destacada na obra de João Severiano da Fonseca (Viagem ao redor do Brasil: 1875-1878. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1986) é um dos exemplos das transformações sofridas pela Freguesia de Ladário. Destarte, após a fundação do arsenal, pode-se comprovar que a Marinha do Brasil esteve desde os primeiros momentos imiscuídos na sociedade local (MARANHO, 2014).

A época de sua construção constituiu-se na maior mobilização da Marinha Brasileira em homens, recursos financeiros e materiais. De acordo com Relatório do Ministério da Marinha (1880-81) apresentado pelo Vice-Almirante Francisco Cordeiro Torres e Alvin, somente com as edificações foram gastos a quantia de 1.240:009$480 (Hum Mil, Duzentos e Quarenta Contos, Nove Mil e Quatrocentos e Oitenta Réis) soma superior às rendas províncias no período, de acordo com Relatório da Província de Mato Grosso de 1878.

Outro dado significativo a História da Cidade de Ladário foi a fundação da Loja Maçônica Pharol do Norte instalada em 28 de maio de 1875. Durante a Guerra do Paraguai o Almirante Tamandaré resolveu ocupar a Ilha do Cerrito, enquanto Solano Lopes acampou parte de suas tropas em Itapiru, defronte a Ilha do Cerrito. De Itapiru as baterias Lopezina assestavam as tropas brasileiras arranchadas em Cerrito. A Ilha do Cerrito possuía posição estratégica ancorada na desembocadura do Rio Paraguai no Rio Paraná e importante acesso a República do Paraguai, possuindo aproximadamente 12.000 hectares. Após a guerra como parte dos tratados entre os litigantes a Ilha do Cerrito passou a pertencer à Argentina.

Após decisão do Governo Brasileiro de transferir o Arsenal de Mato Grosso de Cuiabá para Ladário, os equipamentos, operários e militares da Ilha do Cerrito foram arranchados em Ladário. Neste sentido os civis e militares que haviam fundado a Loja Maçônica Cruz na Ilha do Cerrito em 27 de agosto de 1871 a transferiram para Ladário, onde reuniam-se a luz de lamparina de carbureto para estudar e discutir temas do interesse da Loja. Esta página da História de Ladário envolvendo o Arsenal de Marinha e a Loja Maçônica Pharol do Norte ainda carece por ser escrita, a espera de pesquisadores que tirem esta memória da opacidade dos documentos e a transforme em História. Dos escassos textos sobre a Loja Maçônica Pharol do Norte, sobressai-se artigo escrito por Roberto Aguilar M. S. Silva, Membro da Academia Maçônica de Mato Grosso do Sul.

A gênese das forças navais luso-brasileiras nas terras encharcadas dos pantanais mato-grossenses de acordo com estudos de Mello (2009) remonta a Flotilha de Canoas Artilhadas organizada por Antonio Rolim de Moura Tavares para conter as correrias dos paiguá. Rolim de Moura aliou a técnica, tática e equipamentos bélicos da arte da guerra portuguesa, as técnicas, táticas e armas utilizadas pelos paiaguá no domínio do Rio Paraguai, para conter os intentos castelhanos de estabelecerem missões às margens do Rio Guaporé. Os espanhóis partindo das Províncias de Moxos Chiquitos estavam ultrapassando as raias estabelecidas no Tratado de Madri de 1750, assinado entre as Coroas Ibéricas.

Os desdobramentos do Tratado de Madri (1750) e da Guerra dos Sete Anos (1756-1763) resultaram em escaramuças pelo controle das vias navegáveis do Rio Guaporé, seus tributários e acesso ao Grão Pará.

A Guerra dos Sete Anos (1756-1763) ocorrida na Europa entre França e Inglaterra, demonstrou as precariedades do aparato militar na Capitania de Mato Grosso criada em 1748. Estes acontecimentos obrigaram o então Capitão General da capitania Antonio Rolim de Moura a organizar a Flotilha de Canoas Artilhadas e reconstruir a antiga Fortaleza de Santa Rosa, fundando o Presídio Nossa Senhora da Conceição. Este presídio estava localizado a margem direita do Rio Guaporé a cerca de dois quilômetros a jusante do Forte Príncipe da Beira, atual cidade de Guajará Mirim em Rondônia, fronteira com a Bolívia.

A época de Rolim de Moura a fortim Nossa Senhora da Conceição em formato pentagonal, faxina de terra e cercado de paliçada, era guarnecido por aproximadamente duzentos homens. Seu sucessor o Capitão General João Pedro da Câmara, em 1765, diante de nova ameaça espanhola, deu nova configuração ao fortim, tomando “forma abaluartada, do sistema Vauban, medindo o corpo principal do forte 40 braças (88 metros) de frente, por 20 (44 metros) de fundo” (OLIVEIRA, 1968:756). Cabe ressaltar que o fortim da Conceição deu origem anos mais tarde ao imponente Forte Príncipe da Beira, as margens do Rio Guaporé construído por Luiz de Albuquerque, semeador de povoados, fundando Forte de Coimbra, Santa Maria, Ladário e Albuquerque.

Os espanhóis aproveitando-se do conflito europeu (Guerra dos Sete Anos) se apetrecharam de homens e materiais, aproximadamente 1.200 homens e 40 canoas de Guerra e canoinhas, seguiram o Rio Itonamas e atacaram o fortim de Nossa Senhora da Conceição guarnecido por 200 homens. Rolim de Moura cuja obrigação era seguir as estritas orientações da Coroa Portuguesa, deveria proteger a margem direita do Rio Guaporé a todo custo. Armado com duas peçinhas de amiudar, bacamartes e farta munição, utilizando peças de artilharia de baixo calibre, como os pedreiros de bronze e peçinhas de amiudar, montada em canoas de guerra, utilizadas com sucesso nas campanhas contras a resistência dos paiaguá, atacou os espanhóis, melhor apetrechados e municiados, optando por uma Guerra de Movimentos, em oposição a Guerra de Posições adotada pelos espanhóis.

Esta refrega esta minuciosamente descrita na Relação do que se tem passado nas Fronteiras de Mato Grosso (1759-1764). Cuiabá: NDHIR. Aliando a arte militar européia com o ethos guerreiro, técnicas e táticas paiaguá, Rolim de Moura empurrou os espanhóis de volta a Moxos e Chuiquitos na Bolívia. A  retirada definitiva das tropas espanholas em direção a Santa Cruz, ocorreu no dia 3 de novembro de 1763, e os luso-brasileiros retiraram o grosso das tropas do Forte Nossa Senhora da Conceição de volta a Vila Bela no dia 3 de janeiro de 1764.

A vitória militar de Rolim de Moura, contra tropas melhor municiadas e em maior número, em parte se explica as estratégias de combate utilizadas. Para Virgilio Corrêa Filho, o Capitão General, num rasgo de originalidade, adaptou os meios militares disponíveis, aos conhecimentos bélicos que trouxera da Europa. Entre esses novos conceitos, estava a redefinição dos métodos de combate da guerra de sítio e resguardo inimigo, onde as fortalezas militares, não só protegiam posições entrincheiradas, mas também atuavam como forças de ataque.

A acomodação da arte militar européia, com as técnicas e táticas do nativo, tendo como ambiente os pantanais e atores sociais, o paiaguá, proporcionou a Rolim de Moura, expulsar espanhóis.

A contribuição nativa do gentio paiaguá e o rasgo de originalidade de Antonio Rolim de Moura possibilitou a criação da Flotilha de Canoas Artilhadas. No próximo artigo, de uma série de quatro textos, pretende-se discutir as inconveniências da instalação do Arsenal de Marinha de Mato Grosso em 1825 na cidade de Cuiabá e não em Santa Maria (atual Cáceres) cuja opção equivocada forçou a transferência para o Porto de Ladário.

Somos nós o Povo Ladarense. Ladário antigo na Memória e História.

 

Por: Saulo Alvaro de Mello
Mestre em História UFGD