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Gênese do Arsenal de Marinha de Ladário. O arsenal cuiabano se desloca (Parte V)

 

Conforme destacado no artigo anterior, O ministro da Marinha, Joaquim Delfino da Luz decidiu sobre a transferência do Arsenal de Marinha de Mato Grosso para o Porto de Ladário, aprovando as plantas das novas instalações navais apresentadas pelo Capitão de Fragata Manoel Ricardo Cunha Couto. No sentido de dar andamento aos trabalhos de edificação do novo arsenal, o ministro aprovou as plantas e os planos apresentados por Cunha Couto, orçados em 417:000$000 (Quatrocentos e Dezessete Contos de Réis), bem como autorizou a remoção do material existente na Ilha do Cerrito para Ladário.

Entretanto, a transferência do arsenal ainda provocaria acalentadas discussões envolvendo o melhor local para sua instalação, movimentando o Ministério da Marinha e a Presidência da Província de Mato Grosso. De um lado a Pasta da Marinha, defendendo o Porto de Ladário, de outro a Presidência da Província, sustentando o Porto de Corumbá. O Presidente da Província de Mato Grosso, Francisco José Cardoso Junior, mesmo após ter recebido o Aviso do Ministério da Marinha de 17 de abril de 1872, aprovando as plantas do arsenal e determinando o início das obras no Porto de Ladário, enviou ao Ministro da Marinha, ofício circunstanciado reiterando a Baía dos Tamengos em Corumbá, como melhor ponto para a instalação do Arsenal.

De acordo com Cardoso Júnior, o Capitão de Mar e Guerra Antonio Cláudio Soído, aquartelado em Cuiabá, tinha estudos feitos sobre o local mais adaptado ao estabelecimento do Arsenal de Marinha, apontando Corumbá como o ponto mais propício para a fundação do arsenal de Marinha, exercendo superioridade sobre outros. Segundo o Presidente da Província Cardoso Júnior, Ladário não assenta em razão alguma de conveniência pública. No Ladário nada existe; tudo ali é preciso fazer. É mister construir o Arsenal e resguardá-lo. Seja qual for vantagem que se depare no Ladário, essa vantagem também oferece o ponto de Corumbá. Aqui [Corumbá] todas as condições são favoráveis ao fim que se leva em mira, ali [Ladário] nem todas se acham reunidas. Estou convencido de que há engano no juízo que se formou o Capitão de Fragata Couto. Um exame minucioso em seu relatório prova essa minha asseveração. O que eu dirijo é o acerto na escolha de local para assentar-se o Arsenal de Marinha.

O Presidente da Província foi incisivo quanto à superioridade da Baía dos Tamengos para receber o arsenal, e os benefícios que Corumbá poderia oferecer às instalações navais. Convicto de sua posição sobre o melhor ponto para instalar o novo arsenal, Cardoso Junior, enviou em 11 de agosto de 1872, novo ofício ao Ministro da Marinha, reafirmando sua preferência, na tentativa de persuadir Joaquim Delfino Ribeiro da Luz, a mudar de opinião quanto o Porto de Ladário. “Julgo medida de grande alcance estabelecer em Corumbá, um ponto essencialmente militar, procurando-se desde já criar ali alguns estabelecimentos, tais como o Arsenal de Marinha, Corpo de Imperiais Marinheiros e Companhia de menores que se acha em Cuiabá, e que poderão ser facilmente transferidos. […] O Arsenal de Marinha, ali também montado prestaria melhores serviços aos navios estacionados por estes rios […] fui examinar o lugar escolhido e preferido pelo Capitão de Fragata Couto como o mais próprio para a edificação do Arsenal de Marinha, não estou, porém com a opinião desse oficial. O lugar além de estar 5 ou 6 milhas distantes de Corumbá, tem a sua frente um grande espraiado que nas ocasiões das baixantes fica em seco e não permite aos navios encostarem”.

No mesmo Ofício asseverou que o aterro para a construção do cais no Porto de Ladário, seria tarefa difícil por causa da correnteza bastante forte nesse local, e ainda inconveniente construí-lo sobre uma barranca baixa, incapaz de impedir seu alagamento. Cardoso Junior, após ter recomendado a Baía dos Tamengos, e desqualificado o Porto de Ladário, sugeriu um local alternativo para o assentamento do arsenal – A Ponta do Castelo.

No relatório apresentado a Assembléia Provincial em Cuiabá a 4 de outubro de 1872, o Presidente da Província Francisco José Cardoso Junior, reiterou aos deputados provinciais, as ponderações feitas ao Ministro da Marinha sobre a transferência do arsenal e sua preferência pelo Porto de Corumbá. Entretanto, seus argumentos apontando o Canal do Tamengo ou a Ponta do Castelo como mais apropriada para instalação do novo arsenal, não convenceram o ministro, Ribeiro da Luz. Nesse sentido, o titular da Pasta da Marinha determinou o início das obras ao Capitão Cunha Couto, no local já escolhido – Ladário. Através do Aviso N.8 de 7 de janeiro de 1873, autorizou as  providências visando o início  das obras para instalação do arsenal.

Para o prosseguimento dos trabalhos, Ribeiro da Luz, através do Aviso N.9 de 7 de janeiro de 1873, determinou ao Comandante em Chefe da Força Naval no Paraguai,  que enviasse para Ladário operários do pequeno Arsenal da Ilha do Cerrito, no Paraguai. Este arsenal, localizado na confluência dos Rios Paraguai com o Paraná, serviu como ponto de apoio e depósito de material bélico durante a Guerra do Paraguai, conforme já discutido.

Os materiais existentes no Cerrito deveriam ser transferidos para Ladário, principalmente madeira. O Presidente da Província, Francisco José Cardoso Junior ,quando esperava dissuadir o Ministro a instalar o arsenal em Ladário, julgou que não seria fácil transferir os materiais da Ilha do Cerrito.  […] indagando a respeito [Cerrito] fui informado que lá existe grande material e que não será fácil a sua mudança, por isso devo dizer a V. Exª que me parece acertado não fazer a transferência daquele estabelecimento para esta Província, sem que haja em Corumbá cômodos para receber tudo quanto tiver de vir.

Os empecilhos apontados por Cardoso Junior, não se justificavam, pois era perfeitamente plausível que os navios da Força Naval, ao subirem o Rio Paraguai em direção a Ladário, poderiam conduzir parte desse material, inclusive aqueles necessários ao início das obras, a exemplo das madeiras e ferramentas.

O Ministro ainda determinava, a construção de uma ponte sobre um córrego, existente na parte oriental do arsenal e um trilho, destinado a conduzir as máquinas e equipamentos até o seu interior.  Segundo o ministro, poderiam ser contratados terceiros para realização das obras, e os praças que trabalhassem nas mesmas, receberima uma gratificação. No ano de 1873 informou ao Presidente da Província, que havia dado autorização a Cunha Couto, para começo das obras.

Através deste Aviso, o Ministro deu um ponto final nas intenções do Presidente da Província, Francisco José Cardoso Junior, em instalar o arsenal na Baía dos Tamengos ou na Ponta do Castelo.

O General José de Miranda da Silva Reis sucedeu Cardoso Junior na Presidência da Província a partir de 25 de dezembro de 1872. No Relatório anual enviado à Assembléia Legislativa Provincial em três de maio de 1873, informou que os materiais dos depósitos nacionais do Cerrito já haviam chegados ao Porto de Ladário. Ao se referir ao arsenal em Cuiabá, Silva Reis acreditava que não seria extinto, pois segundo ele, era bem provável que a Companhia de Imperiais Marinheiros, permanecesse na Capital da Província.

No entanto, as previsões do presidente não se concretizaram. No sentido de dar prosseguimento às obras, o Ministro da Marinha determinou a transferência da Companhia de Imperiais Marinheiros e dos operários do Arsenal de Marinha de Cuiabá para Ladário. Porém, tais determinações não foram cumpridas imediatamente. O presidente alegou que tal medida implicaria na rápida extinção do Arsenal em Cuiabá, e que necessitava dos oficiais em Cuiabá, sobretudo o Comandante Interino do Arsenal, Capitão de Fragata Joaquim Francisco Chaves e do Cirurgião Augusto Novis.

Tanto Cardoso Júnior quanto José de Miranda, colocaram toda sorte de obstáculos aos planos do Ministério da Marinha. O primeiro a transferência do arsenal e o segundo a extinção do mesmo na Cidade de Cuiabá. Sem obterem êxito, o Arsenal de Marinha de Cuiabá foi extinto através do Aviso 754 de 25 de abril de 1873. Quatro meses depois, através do Aviso de 30 de agosto de 1873, o Ministro da Marinha, Joaquim Delfino Ribeiro da Luz, nomeou o Chefe de Esquadra Francisco Cordeiro Torres Alvim para inspecionar o arsenal extinto, bem como a Companhia de Imperiais Marinheiros.

A transferência do Arsenal de Marinha do Porto de Cuiabá para Ladário encerrou um longo capítulo da História Naval de Mato Grosso.

Em suma, antes mesmo da fundação do arsenal em Cuiabá no ano 1825, já eram intensas as discussões sobre o melhor local a ser instalado. O porto de Vila Maria, atual Cáceres, reunia as melhores condições, porém a escolha recaiu sobre Cuiabá. Com o retorno de Leverger ao Comando das Barcas Canhoneiras e Inspetor do Arsenal em 1844, o assunto voltou às discussões se estendendo até meados de 1850, ainda apontando Vila Maria como melhor opção.

Após a grande enchente de 1865 que praticamente destruiu as instalações do arsenal e o fim da Guerra do Paraguai, o quadro se alterou, não mais era imperiosa a mudança para Vila Maria, mas para o Alto Paraguai, Corumbá ou Ladário. O local escolhido, por oferecer melhores condições, foi o Porto de Ladário. A partir da transferência, uma nova fase inaugurou os destinos de Ladário, antigo Retiro de Pescadores.

Nesta série de artigos, procurou-se desvelar um dos mais importantes capítulos da História Naval Brasileira e a partir da instalação do arsenal, abriu-se uma nova página da História de Ladário.

A cidade de Ladário esta intimamente ligada a Fundação do Arsenal de Marinha, atual Sexto Distrito Naval, desde sua fundação até os dias atuais. É inegável a contribuição da Marinha Brasileira para o desenvolvimento da região, tanto do ponto de vista constitucional – guarnecer fronteiras, quanto nas atividades de cunho social.

Precisamos transformar nossa memória em História. Nossa memória permanece encoberta no manto de esquecimento.

A participação do Arsenal de Marinha na Revolução Constitucionalista de 1932; a Fundação da Loja Maçônica Pharol do Norte pelos oficiais transferidos para Ladário da Ilha do Cerrito; A história dos operários civis na construção do arsenal; A Comissão Resoluta da Boa Vontade e sua luta pela água encanada em Ládário; a construção da Igreja Nossa Senhora dos Remédios pelo Frei Mariano de Bagnaia; o Frigopan e o Polder Hidroagrícola de Ladário contíguo a Estrada da Codraza e tantos outros fatos históricos, são apenas parte desta memória que precisa transformar-se em História.

Rememorar o Ladário Antigo do Professor Hélio Benzi e de João Lisboa de Macedo é dar voz aos esquecidos da História.

Numa próxima ocasião proponho-me a assuntar sobre a Comissão Resoluta da Boa Vontade e o Frei Liberato Ketler.

Somos nós o povo Ladarense.

Boa leitura a todos e a todas. Somos Nós o Povo Ladarense.

 

Por: Saulo Alvaro de Mello
Mestre em História UFGD