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Gênese do Arsenal de Marinha de Ladário. Controvérsias na transferência do Arsenal de Marinha de Mato Grosso (Parte IV)

 

Após breve ausência, retomo alguns apontamentos sobre a transferência do Arsenal de Marinha de Mato Grosso, de Cuiabá para o Porto de Ladário. A enchente do Rio Cuiabá em 1865, uma das maiores já ocorridas, atingiu as instalações navais do arsenal. As águas atingiram os quartéis da Companhia de Imperiais Marinheiros, os armazéns, os prédios contíguos ao arsenal, almoxarifado, oficinas das máquinas. Em que pese à destruição dos prédios do arsenal, as inconveniências de sua localização, já discutidas, dificultavam sua manutenção em Cuiabá.

O Ministro da Marinha, Mauricio Wanderley, por várias ocasiões em seus relatórios navais, manifestou-se pela transferência. De acordo com o ministro, o Porto de Vila Maria (atual Cáceres) era local ideal para abrigar as novas instalações navais, “A posição de Vila Maria é forte, e pode-se torná-la defensável com pequena despesa”. Neste mesmo relatório, 1855, o ministro citou o Porto de Corumbá como um dos locais aptos a receberem as instalações navais, enfatizando que todas as opiniões estavam de acordo quanto à transferência, mas dissonantes em relação ao local de sua instalação.

No ano de 1863, foi apresentado a Assembléia Geral Legislativa, dois relatórios a cargo do Ministério da Marinha, em virtude da troca de ministros. O primeiro pelo apresentado por Joaquim Raimundo De Lamare em dois de janeiro de 1863, e o segundo, por Francisco Carlos d’ Araújo Brusque em 14 de maio de 1864. Ambos tinham posições diferentes a respeito do Arsenal de Marinha de Mato Grosso. Enquanto o primeiro defendia melhoramentos no arsenal, deixando inclusive esboçado um plano nesse sentido, o segundo, entendia que os arsenais deveriam ser reduzidos a condições mais limitadas destinados apenas a pequenos reparos, enquanto as construções navais deveriam concentrar-se no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro.

Pela proposta de Raimundo De Lamare o arsenal seria transferido para a Baía dos Tamengos ou para a Vila de Corumbá. Segundo ele, a remoção para localidade mais azada e isenta dos defeitos que ali se faz sentir, é hoje geralmente reclamada por quantos se tem dado ao estudo dessa questão. Se a necessidade da remoção é por todos reconhecidos, na eleição do sítio para fundação do novo arsenal, não se dá a mesma unanimidade. Entre todos os locais indicados, como reunindo a maior soma de condições essenciais a um estabelecimento dessa natureza, não vacilo em dar preferência entre o lado esquerdo da vila de Corumbá e a baía dos Tamengos.

A convicção do ministro quanto a Baía dos Tamengos para sediar o arsenal em caso de transferência, foi graças aos seus conhecimentos sobre a topografia região quando ocupou o cargo de Comandante das Armas e Presidente da Província Mato Grosso. Além de conhecer a região, provavelmente o Ministro também utilizou os trabalhos potamográficos realizados por Augusto Leverger sobre a Baía dos Tamengos. O reconhecimento da Baía dos Tamengos foi enviado por Leverger a Jose Maria da Silva Paranhos, então Ministro da Marinha, em 22 de junho de 1854.

Velhos problemas continuavam a rondar o arsenal. Orçamento insuficiente, falta de condições técnicas, madeira para construção naval, calafetes, construtores, pedreiros, ferreiros, carpinteiros, tanoeiros e outros. As precariedades das instalações e baixa profundidade do rio, também preocupavam os titulares da pasta da Marinha. Os recursos destinados às construções navais no arsenal eram desviados para outras finalidades, e as obras não eram finalizadas. Estes recursos acabavam sendo utilizados em outras necessidades que não as construções navais, como por exemplo, pagamento de pessoal e o Trem de Guerra (regimentos do Exército Imperial sediados em Cuiabá).

O maior problema do arsenal, este insanável, era sua localização. No período da seca, a pouca profundidade impossibilitava a entrada, saída e movimentação de embarcações. Inconveniência utilizada pela Marinha em defesa de sua transferência. Todos estes percalços pelos quais passava o arsenal, já foram discutidos. Tornava-se urgente a mudança do arsenal para localidade mais estratégica. A baía dos Tamengos, na Vila de Corumbá, era o local preferido pela marinha, que julgava ser um dos melhores atracadouros da Província, acessível a todas as épocas do ano, próximo a matas de excelente madeira para construção naval, e ainda, poderia contar com mão-de-obra da vila.

Somente após a Guerra do Paraguai o tema transferência do arsenal foi retomado com certa prioridade, pois a internacionalização das águas do rio Paraguai pelo Império Brasileiro, como forma de alavancar o comércio e o desenvolvimento da região, necessitava de vasos de guerra e efetivos militares capazes de proteger os comboios de cargas e passageiros. Além dos aspectos econômicos, os inconvenientes da localização do arsenal no porto de Cuiabá e a reinterpretação de segurança e defesa territorial trazida pela guerra, contribuíram para acelerar as discussões a respeito da transferência das suas instalações e sua execução.

No Relatório Anual de 1868, João Mauricio Wanderley, Ministro da Marinha declarava: “Dar este nome [Arsenal de Marinha de Mato Grosso] aos poucos e arruinados edifícios que foram poupados pela enchente de 1865, é dar corpo a uma funesta ilusão”. Não obstante, a falta de material enfrentado pelo arsenal e a deficiência de operários especializado em Cuiabá, dificultava sua permanência naquela capital. No ano seguinte [1869], Mauricio Wanderley defendeu a imperiosa necessidade da transferência do Arsenal de Marinha de Mato Grosso para Corumbá. Ponderava no seu Relatório essa providência urgente, considerando a destruição das instalações do arsenal pela enchente de 1865. Após os danos causados às instalações navais, tudo estava por criar, ensejando a oportunidade de transferir o Trem Naval de Mato Grosso para outro local.

O sucessor de João Maurício Wanderley no Ministério da Marinha, Manuel Antonio Duarte de Azevedo era contrário a idéia de seu antecessor, segundo ele, não dever-se-ia promover melhoramentos nos arsenais, mas concentrar as construções navais no Rio de Janeiro. Na contramão dos recentes acontecimentos envolvendo o Império Brasileiro e a República do Paraguai, Duarte de Azevedo defendia a transformação dos arsenais das Províncias, em meras oficinas de reparos. Essa opinião foi expressa no Relatório Ministerial de 1870. Contrário a maiores investimentos na Província de Mato Grosso.

O Ministro Duarte de Azevedo, no Relatório de 1871, avaliou a necessidade de transferir o Arsenal de Cuiabá. Era fato geralmente reconhecido que o arsenal de Cuiabá, aliás, quase inteiramente desprovido de tudo quanto pode constituir um estabelecimento desta ordem, não podia ser conservado ali [Cuiabá], já porque não era acessível ainda aos menores navios senão em parte do ano, por ocasião das enchentes, já porque nunca serviu nem poderia servir aos interesses da navegação e comércio que fazemos pelo Rio Paraguai. Não havia mais divergências sobre a conveniente transferência do arsenal, mas sim sobre o local onde deveria ser instalado.

O sucessor de Duarte de Azevedo no Ministério da Marinha, Joaquim Delfino Ribeiro da Luz, nomeado a 18 de maio de 1872, deu prosseguimento aos planos do seu antecessor – promover a transferência do arsenal de Cuiabá. Cabe ressaltar essa decisão, pois não era comum nos negócios da marinha a continuidade das ações após a troca de ministro. Com base num documento oficial de sete de janeiro de 1873, ficaram determinadas as providências para as obras necessárias às instalações do Arsenal de Marinha que seria transferido de Cuiabá para Ladário.

No Relatório Anual enviado a Assembléia Geral Legislativa, o ministro apontava sua decisão: Com este propósito, aprovei as plantas levantadas pelo inteligente Capitão de Fragata Manoel Ricardo Cunha Couto, que havia feito exames e estudos mais completos sobre o assunto, e determinei que ele, auxiliado pelo 1º Tenente Frederico Guilherme de Lorena seguisse a dar principio aos trabalhos, começando pelas obras indispensáveis à fundação das oficinas de máquinas e de construção naval.

Entretanto, a transferência do arsenal, ainda provocaria muitas discussões envolvendo o melhor local para sua instalação, movimentando o Ministério da Marinha e a Presidência da Província de Mato Grosso. De um lado a Pasta da Marinha, defendendo o Porto de Ladário, de outro a Presidência da Província, sustentando o Porto de Corumbá, Baía dos Tamengos ou a Ponta do Castelo.

A fim de não alongar o assunto neste breve artigo, e com a finalidade de bem informar o leitor do Perola News, estarei escrevendo o último capítulo desta fase importante da História de Ladário, a transferência do Arsenal de Marinha de Mato Grosso de Cuiabá para Ladário.

Boa leitura a todos e a todas. Somos Nós o Povo Ladarense.

 

Por: Saulo Alvaro de Mello
Mestre em História UFGD